COLUNA TEXTO & TEXTO por GERALDO LIMA
Mulher na cadeira de vime
(*) Geraldo Lima
O
cenário, uma sala com decoração minimalista. Só a reprodução de Mulher sentada apoiada sobre os cotovelos,
de Pablo Picasso, fixada na parede frontal, atrai de chofre os olhos do
visitante.
Depois
disso, percebe-se o tom suave do azul brisa do mar das paredes. Tudo isso,
obviamente, se os olhos não captarem com mais interesse a silhueta feminina
exposta no lado esquerdo do cômodo. Não se trata de uma reprodução, e isso logo
se vê. Tampouco está decomposta como numa pintura cubista. Embora ele não a veja ainda por completo, o
ser no seu todo, seus olhos já transbordam
Ela está
sentada numa cadeira de vime natural, o corpo todo resumido nesse espaço de
fibras e reentrâncias. Os olhos, cerrados,
parecem entregues aos caprichos da memória e seus labirintos. Ela não o viu
entrar, ou finge não tê-lo visto. Finge, é o mais certo, pois a porta foi
aberta sem nenhuma delicadeza. As dobradiças, carentes de lubrificante,
rangeram alto. Ela, no entanto, permanece assim: a cabeça levemente jogada para
trás, como quem tira um cochilo.
Ele para
diante dela e espera que ela abra os olhos e o veja. Espera inútil, alguém precisa lhe dizer. A
mulher, movendo-se um pouco na cadeira (deixa, talvez, os pés escorrerem e
tocarem o porcelanato), poderá até descerrar os olhos opacos e tentar focá-los
na direção dessa voz que agora a cumprimenta. Tenta, sem desespero, buscar essa
figura que ela imagina de um homem alto e forte. Um homem que ela decompõe e
vai remontando a seu bel-prazer.
(*) Geraldo Lima é
escritor, dramaturgo, roteirista e colabora com o Jornal de Sobradinho.
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