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BBB – Brasil, Brasil, Brasil – 2011


*Joel Pires

Começa um programa líder de audiência. Tudo se vende. Também intensificam as chuvas no Rio. A tragédia. A mentira reaparece sob o rótulo de realidade confinada. O grande laboratório acessível a todos. No outro canal, uma emissora explora o trágico acontecimento. A catástrofe ganha todas as manchetes. Numa das imagens, um rio canalizado rompe as barreiras impostas e retoma seu curso devastadoramente. A força da natureza resgata sua verdade. Somos fracos diante da imperiosa corrente, do fluxo incontido das águas. Represá-las sempre é um risco. Há um velho dito – verdade constatada – que profetiza: “A natureza vai se vingar”. A vingança não é um bom sentimento. Mas a racionalidade nem sempre comanda a vida. Impulsos surgem como enchentes aterradoras. O que foi represado, contido, desviado, marginalizado, vem à tona destruindo tudo ao redor. Às vezes, é preciso fingir-se de cego.

Contudo, a verdade revela-se involuntariamente: “O que a gente não faz por dinheiro”, deixou escapar – ao vivo – o apresentador do “reality show”. Nesse sentido, Lacan diz que falamos sem saber que somos falados. Colhemos o que plantamos, outra sentença. Há muita sabedoria nos dizeres populares. No entanto, ignoramos. O conhecimento acadêmico não apreende a vida em sua totalidade. Entre a experiência de minha mãe e a teoria de um grande intelectual, prefiro aquela. A simplicidade desvela a realidade. Pouco pode ser feito depois do caos estabelecido. A colheita nem sempre é resultado de uma boa seara. “O trigo cresce junto com o joio”. É preciso olhos atentos, despertos. A mentira aparece sorrateiramente no leque de verdades. Aberto. É fácil comprar gato por lebre. A vida é um grande laboratório. E a nova edição do programa global sabe disso. As mazelas humanas são expostas indecorosamente. Pior: comercialmente. O enredo é tosco e previsível, embora camuflado de sofisticação. A casa passou por reformas. A tecnologia contrasta com a aberração.

Novamente a isca é lançada. O engodo tem cara nova. A estratégia é a de sempre: capturar personalidades vazias. O que não foi educado dá espaço a toda sorte de ignorância. Um negro véu se estende de norte a sul. Dissimulado como a serpente do Éden, o estratagema é desenhado antecipadamente. Outra vez, o caráter é mutilado, emoções são exploradas e comercializadas. A dor é mero objeto. A alegria, a amizade, a sinceridade parecem descartáveis. A vida perde seu valor. O ladrão de sonhos aparece disfarçado de simpatia, com irresistível sedução. O diabo no deserto. Cabe-nos não ceder às tentações. O controle está em nossas mãos. Devemos conhecê-lo, mas não o servir. Vigiar: Eis que o bandido está à porta. Como droga, as “belas imagens” entorpecem os sentidos. O fascínio é despertado pela ilusão. Miragem sedutora. Cenário maquiavelicamente arquitetado. Corpos, plasticidade artificial. Identidades falsificadas. Estelionato.

A consciência aos poucos é anestesiada. Como alerta Saramago, começa uma cegueira branca. As crianças acompanham a trama de manipulações. Ressoa: "Se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos...”. O tal “jogo” contagia indiscriminadamente. Como num tabuleiro de damas ou xadrez, as pessoas são capturadas e eliminadas.+. Centenas de mortos na região serrana do Rio de Janeiro. Um caminhão frigorífico funciona como uma grande geladeira para a conservação dos corpos. Há vários anos, o desastre se repete. Há sobreviventes entre os sobreviventes. Um desabrigado recolhe o resto de sua história. Rotas foram alteradas. A câmera fica desfocada pelos respingos do lamaçal.

De volta ao BBB, as falhas denunciam a fragilidade do esquema. Ainda bem! A rede continha furos. O descompasso do apresentador é visível. Sua voz e ideias não correspondem aos fatos e ao movimento la-bial.

*Joel Pires da Costa é professor, psicopedagogo e colabora com o blog e Jornal de Sobradinho.
*Texto originalmente publicado no blog do autor: pingos e respingos.Foto Google Images

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