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A falência familiar na arte de educar

Por Paulo Nathanael de Souza
Nunca, no Brasil, se falou tanto em Educação e na sua incapacidade de superar déficits e fracassos, como agora. Desde que se deu a democratização das matrículas Escolares e as multidões heterogêneas invadiram as salas de aula dos cursos de todos os níveis, graus e modalidades de ensino, a incapacidade de gerar bons resultados na política educacional praticada entre nós ficou evidente. Ainda há milhões de pessoas analfabetas puras com mais de 15 anos de idade e o ensino básico, que devera ser de ótima qualidade, dada a sua obrigatoriedade universal no ciclo fundamental e o fato de que geralmente é o único nível de Escolaridade ao alcance das massas, aí está a ocupar classificações vergonhosas nas tabelas nacionais e internacionais de avaliação do aproveitamento na aprendizagem.

São grandes contingentes que saem todos os anos das Escolas, sem saber ler nem compreender o que leem, escrever frases com clareza e logicidade ou fazer operações aritméticas além da soma, da multiplicação, da subtração e de divisão, de algarismos simples, que vão apenas até as dezenas (quando chegam as centenas, instala-se o caos!). É o denominado grupo dos analfabetos funcionais, que passam pela sala de aula sem nada aprenderem. Não é por acaso que o ensino superior, herdeiro dessa tragédia toda, não mais consiga cumprir o seu papel de criador e incentivador dos novos saberes, para acomodar-se num subnível intelectual, que já não pode mais ser considerado tão superior, eis que se conformou em ser apenas um ensino de 3º grau (ou pós-colegial).

Os especialistas pesquisam incansavelmente as causas dessas insuficiências e acabam por culpar, ora os professores, ora o desequipamento Escolar, ora os currículos sobrecarregados ou, ainda, as verbas insuficientes destinadas ao setor.

De fato, cada uma dessas facetas guarda uma culpa ampla e profunda para com os maus resultados estatísticos do desempenho do sistema. Porém, há uma razão oculta da qual ninguém diz que estende suas raízes no subsolo delas todas. Há que debitar-lhe, no entanto, grande dose de responsabilidade pelo que vem ocorrendo: trata-se da falência das famílias no exercício de sua responsabilidade educativa em relação aos filhos. Como todos sabem, o bicho homem, quando nasce, é um ser biológico, como todos os outros que vêm à vida. Só que com uma diferença: enquanto que os bichos trazem ao nascerem defesas naturais e instintivas, que os ajudam a alimentar-se e a superar riscos, o homem só sobreviverá se for amparado por forças outras que não as suas próprias. O cenário ideal para isso é a família. A família existe mais do que apenas para facilitar a geração dos filhos, se não que, principalmente para amparálos, alimentá-los, defendê-los e educá-los, a partir do momento de sua chegada ao mundo. A natureza social e cultural do ser humano impõe aos familiares essas ações aculturativas em relação às novas gerações.

Trata-se de uma ação informal, que educa, não só pelo exemplo mas principalmente pelos primeiros esclarecimentos exigidos pela curiosidade dos educandos, feitos de lições rudimentares sobre usos e costumes, comunicação oral, valores básicos de convívio social e de conduta ética, princípios religioso, etc.

Antigamente, no campo e na cidade, isso funcionava a contento, não importando se a família era rica ou pobre, eis que a pobreza jamais precisou ser sinônimo de ignorância, sujeira ou grosseria.

Com esta enlouquecida urbanização dos tempos atuais, em que massas humanas sem ter onde morar, vivendo dos subempregos da informalidade econômica e, não raro, cobrindo-se de andrajos e passando fome, a organização e a funcionalidade familiar entraram em crise. Criou-se não apenas uma faixa de lumpens sem futuro como ainda se assistiu ao surgimento de novas gerações criadas nas ruas, que hoje engrossam o tráfico de drogas e ampliam a cultura da criminalidade por todas as esferas sociais. Os pais, não raro desconhecidos ou desunidos, não mais conseguem impor sua autoridade familiar, nem tão pouco transmitir aos jovens aquela Educação primeira, que seria do seu dever.

A consequência aí está: ao chegarem à Escola crus e ignorantes, até mesmo das regras básicas da civilidade, passam pela sala de aula agredindo professores, espancando e até matando colegas, e sem apresentar um traço mínimo de maturidade para o convívio social e a aprendizagem formal.

Considerando que essa população é imensa no espectro estrutural da sociedade brasileira, faço-me diariamente uma pergunta incômoda, para a qual não tenho resposta (você, caro leitor, terá?): como sair da crise educacional, em que estamos atolados, sem a reintegração das famílias (não só das lupens mas também das classes mais altas e até Escolarizadas) no seu dever de orientar as crianças e os jovens no recesso do lar? Que políticas sociais de governo deveriam conter não só reformas da Educação mas também medidas no sentido de apoiar e assistir minimamente as famílias, principalmente, as mais marginalizadas cultural e economicamente, no que diz respeito a suas responsabilidades educativas para com os filhos? Olhar para isso poderia ser um bom começo para a superação da crise da Educação, no Brasil.

Paulo Nathanael de Souza é Doutor em Educação

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