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COLUNA INTERSEÇÃO TEXTUAL por Joel Pires*

“Há doenças piores que as doenças,Há dores que não doem, nem na alma, Mas que são dolorosas mais que as outras.”(Fernando Pessoa)


O TERRAÇO

As gramáticas chamam de anacoluto a interrupção da ordem lógica da frase, como decorrência de um desvio no rumo do raciocínio. Assim também se manifesta Othon M. Garcia sobre essa figura de linguagem. Com esse assunto, terminava mais uma aula maçante de Língua Portuguesa naquela segunda-feira improdutiva. O sol castigava e o calor era quase insuportável. A sala de aula de colégios da periferia nem sempre tem ventiladores e a arquitetura e engenharia das construções não ajudam muito.

Lá fora, a vida também fervia. O ano era 2007. Os acontecimentos, prosaicos ou não, estampavam os jornais de todo dia. Vive-se o cotidiano como folha que cai e se renova. Nem sempre com o mesmo vigor, a planta; nem com o mesmo viço, a folha. A vegetação escasseia e a exuberância se perde. Em São Paulo, uma cratera surge nas obras do metrô e engole máquinas, ônibus, carros e pessoas. No Rio de Janeiro, o menino João Hélio morre ao ser arrastado por 7 km preso ao carro. Um avião da TAM colide e explode em Congonhas, causando 199 mortes. Para a surpresa de muitos, indignados, Daniela Cicarelli bloqueia o You Tube, esse simpático veículo de comunicação.

No Camboja, foi encontrada uma mulher de 27 anos, dos quais 19 ela viveu na selva, tendo perdido as habilidades de comunicação verbal. Sob protestos, Bush “visita” o Brasil em março e assina o acordo de cooperação em biocombustíveis. O rabino Henry Sobel é preso nos EUA, acusado de furto de gravatas. Um estudante sul-coreano, da Universidade americana Virgínia Tech, abre fogo e mata 32 pessoas, entre alunos e professores. Cientistas europeus descobrem o primeiro planeta habitável fora do sistema solar.

Aqui um jovem vai ao shopping. A mente vaga enquanto o ônibus faz o percurso da Satélite ao centro da Capital. Os interesses são difusos, os sentimentos também. Em casa, a mãe, o pai, os irmãos. A namorada perturba-lhe o pensamento, a escola também. Os amigos são poucos e os laços fraternais não o prendem mais. O cerrado fica pra trás, as velhas árvores retorcidas – ou o que sobrou delas. Aproximam-se os edifícios, os monumentos, as grandes avenidas, a frieza do concreto. O destino é certo: o ambiente da burguesia endinheirada, abastada.

O templo estava aberto ao consumo. O grande palco comercial: as lojas, o pátio, o elevador. As pessoas sobem e descem. Nos andares, as vitrinas refletem a imagem dos passantes. As luzes são intensas, mas ninguém vê ninguém. Portanto, a escuridão é metafórica. As mercadorias em exposição. O prazer à disposição de quem pode pagar. A ilusão de, enchendo as sacolas, encher-se também. A fuga, o desespero, a solidão. A fissura da compra e a efêmera satisfação. Menos pra ele, o garoto deslocado no tempo, no espaço e nas emoções. Solto. Por um instante, o vão. O vento frio das íngremes montanhas. Os desertos oceânicos. Os abismos colossais. A ponte sobre o nada. O adeus de ninguém. Foi criança e sonhou na vida.

*Joel Pires é colaborador do Jornal de Sobradinho , estudante de Jornalismo e professor de Língua Portuguesa.

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