Casal
* Geraldo Lima
– Estou pronto para morrer,
ele disse com uma voz que já trazia em si a ruína e o silêncio.
Ela abriu a veneziana, como se cavasse uma fuga, e um vento frio a fez encolher-se um pouco mais para dentro do roupão. Um casal de pássaros, num voo-relâmpago, passou rente à janela. Parecia se pegar em pleno voo, ora quase tocando o chão, ora erguendo-se rumo às nuvens. Talvez os dois estivessem se acasalando, e aquela violência toda fosse só o modo de explicitar o desejo.
Durou poucos segundos esse
balé desvairado, o suficiente, no entanto, para arrebatá-la. O suficiente para
arrancá-la dali, daquele ambiente de falência múltipla. Assim que os pássaros
sumiram mais adiante, em meio à copa dos abacateiros, ela foi sugada de novo
para dentro dessa realidade prestes a se decompor.
– Estou pronto para morrer,
ele repetiu, como se estivesse enfiando um prego na mente dela.
Ela fechou a veneziana e foi até o quarto. Abriu a gaveta da cômoda e do meio das roupas tirou um objeto que lhe provocou calafrios. Deu vontade de sentir de novo o vento frio na cara antes que tudo ruísse diante dos seus olhos.
* Geraldo
Lima
é professor, escritor , dramaturgo e colabora com o Jornal de Sobradinho.
Um comentário
O medo que nos faz recuar é o mesmo que nos faz recordar o não vivido, o que poderia ter sido e não foi, como escreveu o poeta.
Se o conto é pra vencer por meio de nocaute, este consegue a vitória, só com o olhar intimidador.
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