COLUNA TEXTOS & TEXTOS por Geraldo Lima
REJEITOS,
UMA PALAVRA E SUA SINA
*Geraldo Lima |
De repente a
palavra REJEITOS, feito um monstro de pesadelo, invadiu nosso sono tranquilo,
nossa consciência cansada de batalhas vãs, nosso universo cultural saturado de
tudo e nada, nosso cotidiano de uma aflição contínua e mórbida. Veio na
enxurrada dos acontecimentos imprevistos e indesejados. Saltou dos manuais
técnicos das mineradoras e dos órgãos de fiscalização ambiental, dos calhamaços
da legislação brasileira, dos discursos vazios e inoperantes, das páginas
amarelecidas de jornais e revistas semanais, para o palco do embate verbal que,
pelo menos por enquanto, nos lembra da nossa humanidade e do nosso compromisso
com a preservação do planeta.
Então a
palavra REJEITOS sempre esteve aí, porém confesso que havia me esquecido da sua
existência de coisa nociva e latente, acreditando que uma barragem, por sua
musculatura de concreto, rocha e terra, pudesse mantê-la presa ad aeternum. Mas
sua presença a partir de agora, sinistra e incômoda, parece-me impossível de
ser ignorada, pois sabemos da tragédia que se instala quando ela atinge o
pulmão de rios e oceanos.
A palavra
REJEITOS camufla em sua semântica as palavras MORTE e DESTRUIÇÃO. Nela a
palavra ESTÉRIL encontra um ventre que lhe dá vida e força. É irmã do ESGOTO e
da LATRINA. Mistura-se à LAMA em concubinato suspeitíssimo. Não é palavra em
que floresçam o sonho e a esperança. No seu espelho opaco não se reflete a
“aurora de dedos róseos” de Homero nem o rosto de Diadorim após um dia inteiro
de luta e amor inconfesso. Não há limpidez no seu sentido, não há humanidade no
seu emprego. Nela cabem coisas como dinheiro e lucro, poder econômico e
descaso, exportação e divisas, negócios e frieza, política e corrupção. Nela só
não cabem coisas como oxigênio e cardumes de peixe, crianças nadando no remanso
e lavadeiras entoando cantos de labor e festa, bichos saciando a sede e humanos
se refrescando do calor. Nela não cabe, enfim, a água límpida (doce ou salgada)
em que a vida, na sua multiplicidade, cresce em abundância e alegria. Ela rima (rima pobre, é bem verdade) com
DESLEIXO e DEFEITO. Bem poderia ser expulsa de todos os dicionários, mas, em
tempos democráticos, não seria de bom-tom uma atitude tão extrema. Então
conviveremos com ela, desassossegados sempre? Ou, num gesto de basta, a
rejeitamos com tudo que há nela de ferro, alumínio e manganês?
(*) Geraldo Lima
é escritor, dramaturgo, roteirista e colabora com o Jornal de Sobradinho. Material exclusivo para Edição 293 de Fevereiro de 2016 - Primeira Quinzena
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