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SOBRADINHO / COMUNIDADE CIGANA

Ciganos comemoram mais de 400 anos no Brasil com festa no DF

Dia Nacional do Cigano é celebrado nesta quarta. Para marcar a data, G1 visitou único acampamento cigano do DF, primeiro a conquistar terras cedidas pelo Governo Federal; veja fotos e conheça as tradições desse povo.

  
(*)  Marília Marques

Crianças da etnia calon moram em acampamento cigano, em Sobradinho, no DF (Foto: Marília Marques/G1)

Cores, música, ouro e dança marcam a cultura cigana em diversas parte do mundo. No Brasil, segundo historiadores, o primeiro registro de uma família cigana data de 1574. No Distrito Federal, os primeiros acampamentos foram montados ainda durante a construção de Brasília. Quase 60 anos após a chegada dessas populações ao DF, estima-se que mais de 3 mil pessoas já se reconheçam como pertencentes a este povo.

Segundo pesquisa da Codeplan, são 13,5 mil membros em todo país. O levantamento é do ano passado e marca o Dia Nacional do Cigano, celebrado nesta quarta-feira (24), em homenagem a Santa Sara Kali, padroeira universal dos ciganos. A data será comemorada no acampamento da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec), a primeira com esta formação no Brasil. Estão programadas rodas de conversa e apresentações culturais, a partir das 10h, no acampamento Nova Canaã, em Sobradinho.

A comunidade cigana em Brasília está representada, em sua maioria, pela etnia calon, a mais numerosa do país. O grupo chegou a capital federal por volta de 1974 e hoje reúne 74 pessoas, a maioria com laços familiares, que até meados de 2014 levavam uma vida nômade, uma outra característica dos ciganos.

Antes de escolher o DF como residência fixa, a comunidade passou por mais de 15 estados. O líder da Associação Cigana no Distrito Federal, Wanderley da Rocha, conta que encontrou em Brasília condições para se sentir protegido. “De onde viemos, desse mundão por aí, entendíamos que Brasília seria a capital das leis."

"A gente aqui teria direitos de igualdade racial. Em toda nossa história cigana já tínhamos sido bastante humilhados e desrespeitados, mas aqui temos voz e isso nos deixou bastante fortalecidos.”

Acampamento onde moram 15 famílias ciganas no DF (Foto: Marília Marques/G1)

Em Sobradinho, o grupo adquiriu terras cedidas em 2015 pelo Governo Federal, para fixar residência e prover a subsistência da comunidade. As 15 famílias que moram no terreno de 3,5 hectares, vivem em tendas feitas com lona e dispostas em formato da letra “C”, de cigano. Eles plantam alimentos e criam animais como galinhas e perus para o próprio consumo.

Segundo a Secretaria de Igualdade Racial do Distrito Federal (Sedestmidh), a associação cigana tem a concessão de uso das terras por dez anos, com possibilidades de renovação. Ao G1, a pasta informa que “esta é a primeira cessão de uso de terra pública para uma comunidade cigana no Brasil”.

No espaço conquistado, o grupo afirma que pretende reforçar a infraestrutura para criar condições de desenvolvimento. ”O objetivo é servir de ‘terra prometida’ para todos os ciganos do país."

"Nosso sonho é construir o primeiro centro de resgate da cultura cigana do Brasil para que daqui saiam homens e mulheres capacitados e preparados para o mercado de trabalho."

O desejo de Wanderley tem fundamentos e é baseado na realidade difícil da comunidade cigana. De acordo com um levantamento da Codeplan, 43% dos ciganos do DF são analfabetos, sendo que grande parte deles (80%) têm até 34 anos.

As estatísticas sobre as condições de vida mostram ainda que há muitas outras situações precárias: apenas 2,63% dos entrevistados afirmam ter calçadas próximas aos seus domicílios; 21%, banheiro; 24%, rede geral de distribuição de água; 24%, coleta de lixo; e 13%, esgotamento sanitário adequado (rede geral ou fossa séptica). Só 24% das casas dos ciganos no Distrito Federal contam com iluminação elétrica.

Wanderley da Rocha, líder da comunidade, ao lado da filha Rosalina. (Foto: Marília Marques/G1)

Tradição

As 15 famílias ciganas que atualmente vivem na comunidade próxima a Sobradinho fazem questão de destacar que são pertencentes à etnia calon, e por isso, possuem costumes, vestimentas e um dialeto diferente de membros de outras duas etnias que se têm registros no Brasil: os rom - descendentes de romenos - e os siti - mais encontrados na Alemanha, Itália e França.

Os calons do DF têm como segunda língua o “chibi”, dialeto de origem portuguesa, que foi transmitido de forma oral às atuais gerações. “Conseguimos ensinar um para o outro, de geração em geração, como nos defender das perseguições que enfrentávamos. E, a depender do lugar, usamos só ele, o ‘chibi’. Há 500 anos usávamos para isso, e hoje, em 2017, pouca coisa mudou”, contam.

De acordo com a tradição oral, os ciganos calons descendem de povos deportados da Espanha e Portugal. A etnia é reconhecida por ser formada por cavaleiros, homens que mexiam com tropas e animais e, segundo contam, participaram ativamente da exploração e comércio do ouro no Brasil.

A atividade, como conta o líder do grupo, levou à valorização desse artigo como símbolo de status. “Diziam que naquela época, nós ciganos éramos muito perseguidos. Levavam tudo que achavam de nós, ouro e cavalos."

"Através da perseguição, virou uma cultura. Começamos a colocar ouro nos dentes para que não levassem. Por isso é comum ver ciganos e ciganas usando bastante ouro."

A rotina da comunidade considera a divisão de trabalhos por gênero. Os homens são negociantes e vivem muitas vezes do escambo de mercadorias. Já as mulheres têm a missão de cuidar das tarefas da casa e também saem para revender panos de prato e toalhas em locais de grande movimento.

Por costume, os ciganos casam entre si. O objetivo, segundo eles é manter a cultura e não permitir que os membros deixem o grupo. A tradição, como foi passada, orienta que a mulher seja pedida em casamento, às vezes por primos de primeiro ou segundo grau, mas não permite carinhos, toques ou beijos antes da cerimônia.

“Cigano não namora, o amor vem do olhar. Ninguém se aproxima um do outro, são seis meses cada um em sua casa, senão isso seria desonra para os pais. E o rapaz que se diz noivo, não vem pedir a mão em casamento, ele pede a um mais velho da família para vir falar com os pais”, explicou o líder da comunidade.

Sobre a festa de casamento, contam que ela dura de três a quatro dias. “É muito bonita, são dias de muita união, com ciganos de todos os lados e também têm os dotes que as pessoas dão para os noivos”.


Tendas onde moram as famílias calons, próximo a Sobradinho (DF). (Foto: Marília Marques/G1)

Cultura vs religião

A cultura cigana, atualmente, ainda é confundida com religião, ao invés de ser considerada uma etnia. Isso se deve, segundo o historiador Jonatas Alexandre, ao desconhecimento e ao romantismo que é atribuído a este povo. “O preconceito veio de uma literatura, novelas e filmes que criaram estereótipos socialmente negativos sobre os ciganos."

"É um preconceito enraizado e ainda oculto. Tem que se perder o romantismo em relação a esta cultura."

No acampamento montado na Rota do Cavalo, próximo a Sobradinho, grande parte dos membros do grupo se autodeclaram como pertencentes a religiões evangélicas. Todas as terças-feiras eles se organizam e realizam cultos sob a tenda, chamada de “barracão”, com músicas e orações.

A liderança do grupo diz não acreditar na ‘leitura da sorte’, por exemplo. Wanderley conta que “a lida de mão seria uma forma de sobrevivência da época para as mulheres. Ler a sorte é uma questão de crença. Sou cigano calon e, com todo o meu respeito, não acredito”.

Sobre a preservação das tradições, os povos ciganos são conhecidos como ‘raizeiros’, apesar de também utilizarem a medicina moderna. As mulheres mais velhas do grupo explicam que conhecem muitos remédios caseiros e muitas vezes não vão até a farmácia comprar, fazem uso das ervas medicinais. “Temos remédio do mato para uma gripe, gastrite ou espinhela caída; assim como os indígenas, aprendemos com eles."

"Mas também respeitamos os médicos e sabemos que somos carentes em determinadas situações”.

A rotina das mulheres ciganas envolve as tarefas da casa e a venda de panos de prato no comércio das cidades. (Foto: Marília Marques/G1 )

(In)visibilidade

O pouco conhecimento sobre a realidade destes povos não se restringe apenas aos aspectos culturais. Institutos de pesquisa como o IBGE, não consideraram os ciganos como uma etnia no levantamento do Censo 2010.

O órgão justifica que o Brasil tem vários outros grupos populacionais específicos que também não aparecem nas pesquisas demográficas. Segundo o IBGE, todos eles têm sua importância social e cultural, mas por serem numericamente pequenos, “são praticamente invisíveis para nossas pesquisas amostrais anuais”. Ainda para os técnicos do instituto, “trata-se de uma limitação estatística”.

O único levantamento que cita a presença das comunidades ciganas em todo território nacional foi feito em 2011, como parte do Perfil dos Municípios Brasileiros. O IBGE mapeou, pela primeira vez, os acampamentos existentes no Brasil, mas com base em informações passadas pelos gestores de cada município.

De acordo com o levantamento, os ciganos estão em 291 cidades brasileiras e se concentram, principalmente, no litoral dos estados do Sudeste, Sul e Nordeste - com destaque para a Bahia, onde há o maior número de grupos (53). A pesquisa, no entanto, não precisou a população ou a localização exata desses acampamentos.


Tendas onde vivem, muitas vezes, mais de uma família. (Foto: Marília Marques/G1)

Dia Nacional

Há 11 anos, em 24 de maio, é comemorado o Dia Nacional do Cigano, um marco instituído pelo Governo Federal para também lembrar o combate à invisibilidade dessa comunidade. Desde então, políticas públicas estão sendo implementadas para a valorização deste povo.

Como parte das celebrações desta quarta-feira no DF, a Secretaria de Igualdade Racial está promovendo, em parceria com a Associação Nacional das Etnias Calons, a Festa Cigana, que vai debater políticas públicas para estas populações e discutir o primeiro Estatuto Cigano do DF. A programação acontece na Comunidade Cigana Nova Canaã, em Sobradinho, das 10h às 21h.

(*) Fonte:  Marília Marques, G1 DF

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