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EDUCAÇÃO

Brasiliense com 'ossos de vidro' vira educador social em Sobradinho
Portador de osteogênese imperfeita, Alexandre Abade se tornou educador social e ajudou alunos da escola em que estudou no ensino fundamental a montarem uma peça em celebração ao Mês da Consciência Negra

"A peça é uma mensagem de incentivo para que as pessoas aceitem mudar o modo de pensar e de agir. Muitas vezes, as pessoas só precisam de um pequeno incentivo para verem as coisas de outra forma," diz Alexandre Abade, educador social (foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press )

(*) Luiz Calcagno

Alexandre Abade, 39 anos, é um profissional. Tem dois livros lançados, está escrevendo o terceiro, dá palestras motivacionais e circula e se comunica com facilidade em grupos das mais variadas idades. Alexandre Abade é um profissional. Mas não apenas por esses motivos. É profissional em vencer as adversidades. É profissional em realizar sonhos. Em compartilhar o aprendizado que colheu com as vicissitudes da vida, que o atingiram antes mesmo de deixar o ventre da mãe. Portador de osteogênese imperfeita, sofreu fraturas ainda no útero. Com ajuda de uma cadeira de rodas elétrica, ele avança. É preciso dar sentido à existência. E nisso, o menino dos ossos de vidro é profissional.

A mais recente empreitada de Alexandre foi a produção de uma peça sobre discriminação racial, com estudantes do Centro de Ensino Fundamental 4 de Sobradinho, escola em que ele também estudou. Lá, ele ganha uma bolsa e trabalha como educador voluntário social, além de cuidar do laboratório de informática. A ideia surgiu em meados de julho e, desde então, ele trabalha com 12 jovens do 6º e 7º anos. O grupo se apresentou pela primeira vez na última quarta-feira, em 21 de novembro, durante uma celebração atrasada do Dia da Consciência Negra. A intenção é se apresentar de novo, com mais qualidade.
  
Peça de teatro produzida com estudantes do Centro de Ensino Fundamental 4 de Sobradinho tratou de discriminação racial (foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press )

Uma sala de aula foi montada como cenário no meio da quadra de esportes do CEF 4. Entre a atenção e as gargalhadas dos colegas, as atrizes contaram a história de quatro estudantes negras que sofriam preconceito de colegas brancas de uma instituição pública de ensino. O caso foi abafado pela diretora da escola. Além de dirigir e participar da composição do roteiro, Alexandre narrou e interpretou o professor que dizia às jovens injustiçadas que corressem atrás de seus direitos. No fim, elas conseguem afastar do cargo a gestora, que também era mãe das agressoras, e a mulher reconhece o próprio erro.

Bastidores
Minutos antes da peça, o grupo de meninas com idades entre 12 e 13 anos corria para resolver as últimas pendências. Um cartaz que não estava no lugar, uma pasta com os textos ou o medo de ir a público. Cercavam Alexandre em busca de orientações e, ao mesmo tempo, estavam atentas às necessidades do educador, que falava com tranquilidade e paciência. “Inicialmente, falaríamos de inclusão de um modo geral, mas nos atentamos à proximidade do Dia da Consciência Negra. Dei liberdade para que elas desenvolvessem as ideias. Queria que elas vissem que eram capazes de fazer a peça e de se apresentar”, conta o educador.

Como de costume, ele fez um trabalho de camadas. “A peça é uma mensagem de incentivo para que as pessoas aceitem mudar o modo de pensar e de agir. Muitas vezes, as pessoas só precisam de um pequeno incentivo para verem as coisas de outra forma. A falta de perspectiva e incentivo paralisa as pessoas.”

Doze estudantes atuaram no espetáculo, assim como Alexandre, que também narrou(foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press )

Vivência
Não é a primeira vez que o menino dos ossos de vidro se envereda pelo mundo do teatro. Como ele mesmo afirma, a prática da sexta arte foi fundamental para combater uma timidez, talvez oriunda da própria condição física de Alexandre, que tem osteogênese imperfeita. Já as meninas, nunca tinham se apresentado para um grupo maior que a própria sala de aula. O resultado do trabalho em equipe acabou surpreendendo a todos e o educador, especialista em motivar as pessoas, se viu motivado pelas garotas. “Vê-las se superar, comparecer, e, no fim, se apresentar foi incrível. Claro que, se elas não acreditassem, não teriam se apresentado”, lembra.

As 12 jovens que, juntas, montaram a peça com Alexandre Abade, têm entusiasmo flagrante na fala e no olhar. Maria Luísa Araújo, 12 anos, descreve os exercícios e a apresentação como “uma experiência nova” em sua vida. “Quando a gente se une, as coisas ficam mais fáceis e a apresentação também é um pouco sobre isso. No fim, somos todos iguais”, reflete.


“Passamos a mensagem de que a cor da pele não deveria importar”, lembra Lorrany Nunes. Atenção ao modo de pensar, falar e agir foi como Lara Raquel Farias da Silva, 12, compreendeu a mensagem final da peça e de todo o trabalho. “A gente precisa ter mais consciência do que vai dizer, dos nossos pensamentos e do que fazemos no nosso dia a dia”, conclui.

A atenção especial de Alexandre para motivar e ensinar a superar obstáculos tem razão de ser (veja Memória). Ao nascer, ele foi desenganado pelos médicos. Só viveria até os 12 anos. Viver mais custou caro. Até os 17, teve mais de 320 fraturas por todo o corpo. “Se Deus me permitiu estar aqui hoje, tenho que ensinar isso para as pessoas. Tenho que motivá-las. A motivação muda as nossas vidas. Ela cura tudo. E temos que mostrar alternativas para os jovens.”

Arrumado, com a cadeira de rodas elétrica limpa e impecável, Alexandre Abade observa o mundo com olhos vivos. Sabe que ainda há muito por fazer. Se diz realizado, mas parece estar sempre em busca de um próximo degrau, de uma nova superação. Alexandre Abade é um profissional.

Ossos frágeis
Por conta de um defeito genético, o corpo dos pacientes com osteogênese imperfeita não é capaz de produzir colágeno. Uma vez que essa proteína é um importante componente estrutural dos ossos, eles tornam-se anormalmente quebradiços, como se fossem feitos de vidro ou de cristal.

Memória
História de superação
A história de Alexandre Abade ganhou as páginas de jornal matérias publicadas em agosto de 2009, no Correio. À época, ele realizava o primeiro dos seus grandes sonhos. Ia se formar. “Na próxima sexta, 28, Alexandre colará grau. Será, certamente, um dos dias mais importantes de sua vida. Vestirá beca e, sentado na sua cadeira de rodas, empurrada pelo irmão e pela mãe, será o orador oficial da turma. E dirá, olhando fixamente para aquele auditório lotado, usando a letra de uma música preferida dos Titãs: ‘Quando não houver esperança, quando não restar nem ilusão, ainda há de haver esperança’”, escreveu Marcelo Abreu, na edição de 23 de agosto. Menos de um mês depois, uma moradora da Asa Sul reuniu amigos e, juntos, eles desembolsaram R$ 8 mil para a compra de uma cadeira de rodas elétrica.
Mais projetos
Alexandre Abade busca apoio, atualmente, para dois projetos. Ele pretende reunir donativos para famílias carentes no Natal e também procura ajuda para imprimir o terceiro de seus livros, A fé que remove montanhas. Abade é autor de Faça a diferença, que escreveu com Simone Ferreira de Morais, e Amigos que fazem a diferença, inclusão em ação, obra um pouco mais curta, voltada para o público juvenil. Quem quiser entrar em contato, pode ligar para ele no número 98435-4191.

(*) Por Luiz Calcagno/ Publicado originalmente no Correio Braziliense/CB

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