REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA / CONDOMÍNIOS DA REGIÃO NORTE DO DF
Mudança de lei impede moradores de condomínio a obter escritura
Mudança de lei
Moradores de condomínio em Sobradinho em terras que
pertencem à União compraram os lotes à vista, mas ainda não receberam a
escritura devido a mudanças na lei. A SPU diz que está aberta ao diálogo
Júnia Bittencourt exibe o documento que parecia dar luz aos moradores: a
notificação das primeiras vendas(foto: Alan Rios/CB)
O sonho de ter a casa própria ficou
muito próximo dos moradores do Condomínio Vivendas Lago Azul, em Sobradinho,
quando a União, dona dos terrenos, anunciou o processo de vendas em dezembro de
2018. Como a área enfrentava um processo de regularização lento, iniciado em
1991, a notícia foi ainda mais comemorada. Com a divulgação das vendas, 58
pessoas compraram lotes no local à vista, pagando valores
iguais ou superiores a R$ 168 mil. Outras 40 entraram em financiamentos para a
aquisição, que chegava a R$ 221 mil parcelados. A dor de cabeça dos
procedimentos burocráticos de quase 30 anos parecia ter fim. Bastava a entrega
das escrituras dos imóveis. Mas, até hoje, 11 meses após o anúncio do início
das compras, nenhum morador recebeu os documentos prometidos.
Regina Mourão, 63 anos, é uma das donas de imóvel
no Lago Azul que não receberam a escritura. “Minha família morava na Asa Norte.
Eu me aposentei, conheci essa região, e nós gostamos muito. Em 2008, nos
mudamos e ficamos na expectativa de morar em um lugar escriturado. Assim que
saiu a notícia da venda, começamos a nos organizar”, lembra. A Secretaria de
Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) fixou valores
considerados altos para os habitantes de Sobradinho e indicou um prazo de
pagamento à vista em até 60 dias a partir do anúncio. “Eu e meu marido pagamos
R$ 168 mil no começo deste ano, e nos disseram que receberíamos os documentos
em um mês. Já vai fazer um ano que só temos promessas. Isso é algo
indescritível. Compramos um bem e não recebemos. Deixa sentimentos de
indignação e angústia enormes”, lamenta.
A aposentada conta ainda que ouviu da SPU
diferentes prazos para entrega da escritura, nenhum cumprido. “Desde então,
sempre dão novas datas, falam que está na consultoria jurídica. Assim, vamos
chegando ao fim do ano sem ter recebido algo que compramos conforme as
exigências da própria SPU. A demora agora já é inaceitável. Tenho 63 anos, e, a
esta altura, a gente vê a vida indo, não vindo mais. E o que fica é essa
frustração”, desabafa Regina. A indignação de Diego Rios, 35, é semelhante. Ele
também fez a compra à vista e aguarda a oficialização, mas será a segunda
aquisição do mesmo local. “Minha família adquiriu o lote em 1996, dividido em
10 vezes, pagando para quem eles acharam ser o dono. Depois, descobrimos que o
terreno pertencia à União e procuramos regularizar”, detalha o advogado. Diego
fez empréstimos, recorreu a quem podia, conseguiu o valor de R$ 168 mil e
acreditou estar perto de uma solução.
“Já faz mais de seis meses que pagamos o imóvel à
vista, tirando dinheiro de onde não se tinha, para obter as escrituras. É uma
atitude deplorável, estamos sendo feitos de palhaços. Pagamos um valor
altíssimo, mais caro inclusive que lotes do Jardim Botânico, e só queremos
nossas escrituras. Isso está gerando uma insegurança muito grande e até pânico
de compradores que temem que o valor seja reajustado e aumente ainda mais”,
relata o morador.
Ao todo, 157 imóveis foram disponibilizados para
venda pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União. Em
2004, houve a assinatura de um convênio de cooperação técnica dos moradores com
a SPU para cumprir as normas de regularização, que teve fim no ano passado.
Júnia Bittencourt, 57, síndica do condomínio e presidente da União dos
Condomínios Horizontais do Distrito Federal, sempre acompanhou os processos.
Mudança de lei
Um dos principais pontos de bloqueio para a
assinatura das escrituras é uma mudança na legislação entre 2015 e 2017, como
descreveu Júnia. “Em fevereiro deste ano, os contratos foram remetidos à
consultoria jurídica para que ela fizesse uma avaliação. A consultoria
respondeu que a venda, conforme estava sendo feita, deveria seguir uma lei
atual, a de nº 13.465/2017, e não as duas leis estabelecidas lá atrás, como a
de nº 13.240/2015. Uma grande diferença é que a 13.240 não prevê os abatimentos
que a 13.465 prevê”, diz. A mudança, entretanto, foi criticada pelos moradores,
que seguiram os procedimentos solicitados pela SPU e depois foram avisados pela
própria secretaria que os critérios de compra seriam alterados.
“A gente fica preocupado, porque nós já passamos
por muita coisa no processo de regularização. As pessoas estão desesperadas. A
SPU aplicou um valor de mercado cheio, mas, mesmo desgostosos, os moradores
acabaram aceitando. O tempo vai passando, o preço de mercado pode subir no
futuro. Isso tudo envolve custos, investimentos, mexe com o emocional das
pessoas que passaram uma vida buscando a regularização. Teve gente que até já
faleceu no meio do processo”, conta Júnia.
A SPU foi questionada sobre o tema e enviou uma
nota oficial ao Correio, ressaltando que a regularização está no
contexto da Lei nº 13.465/2017 e que mantém conversas constantes com os
moradores do condomínio. “Trata-se de uma Reurb Especial com todos os
procedimentos realizados pela SPU, com a Superintendência do Patrimônio da
União no Distrito Federal (SPU/DF). Nesse contexto, de diálogo permanente com a
Associação de Moradores do Vivendas Lago Azul, várias reuniões já ocorreram e
continuam sendo realizadas. Dessa forma, diante de todo o rito processual e a
segurança jurídica que o caso requer, a SPU tem realizado os esforços
necessários para que, no prazo de seis meses, esteja com todos os processos
devidamente encaminhados”, finalizou o órgão.
Regularização de interesse específico
Sigla para Regularização Fundiária Urbana Especial,
termo criado pela Lei nº 13.465/2017. Trata do processo de regularização de
interesse específico, de moradores de média ou alta renda que ainda não têm um
documento de propriedade. É ainda um conjunto de normas gerais que abrange
medidas jurídicas, ambientais, urbanísticas e sociais, com vistas a regularizar
determinados núcleos urbanos.
Memória
1991: Início do processo de regularização
2004: Assinatura de convênio de cooperação técnica com a
SPU
2010: Renovação do convênio
2011: Aprovação do projeto de regularização pelo GDF
2017: Renovação do convênio
2018: Projeto de regularização registrado em cartório e
anúncio do início de vendas
2019: Primeiras compras
Tags: #casa, #lei, #condomínio
Fonte: Alan Rios/CB - Publicado Originalmente no Caderno cidades/CB 4/11/19
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