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 A moça que veio do céu

Claudia Otilia, a brasiliense que desbravou o azul brazuca e da Europa

Voar, como os pássaros, sempre foi sonho do homem, que jamais incluiu a mulher nessa. Até o dia – aqui, em Brasília -, em que uma garota viu uma asa delta na garagem da casa de um amigo e sentiu a vontade de subir aos céus. Pena que ela não tivesse altura (1m65cm) e nem peso (47 quilos) suficientes para ser pêndulo e controlar as enormes pandorgas de antigamente.

Sem problemas! Ela juntou-se aos rapazes e passou a ajudar na organização de provas. Mas estava escrito: ela, também, imitaria os pássaros. Um dia, vivendo emoções, com a sua patota, em Minas Gerais, um empresário (o apelidado por Magrão, da fábrica Albatroz), a indagou porquê ela não voava. Ouviu dela a sua história Ícara (ver lenda) e fez-lhe a promessa de construir uma asa voadeira, especialmente, pra ela e, não só cumpriu a palavra, como até a patrocinou.

Por aqui começa a emocionante história aérea de Claudia que, hoje, tem o seu nome inscrito no Livro dos Recordes. Passemos, antes, porém, pelos antes de tudo. Era 1973, quando franceses trouxeram as suas asas deltas e ensinaram os cariocas a tomar conta do céu. Pelo final da década-1970, Cláudio Moura Castro, que voara na Suíça, encontrou terreno propício para construir rampa de saltos, em Formosa-GO. Em 1981, o piloto carioca Paul Geisel fez o primeiro curso brasiliense e formou 15 voolivristas – tempos em que a mulher brasileira não disputava campeonatos.

Ainda estava distante de Claudia voar. Isso só rolou pela década-1990, já graduada em Educação Física e quando já juntara tanta teoria de voo que só precisava mesmo ir lá pra cima. O fez, pela primeira vez, partindo da Pedra Bonita, no Rio de Janeiro, onde cursou a Sky Center.

Veio agosto de 1991 e Cláudia Otília Guimarães Ribeiro deveria se tornar a primeira brasiliense a voar com uma asa delta sobre Brasília. Decolou do Vale do Paranã, em Formosa-GO, tendo ela frente 72 km de linha reta aérea, ainda sem experiência para o projeto. Ficou pelo meio do caminho, no pasto de uma fazenda. “Eu decolava, sempre, depois de todos os rapazes. O máximo que consegui foi parar perto de Sobradinho”, lembra-se dos tempos em que, também, dirigia carros para os amigos levarem e trazerem as suas máquinas voadoras das competições. 

PRIMEIRÕES – Entre homens, Rodrigo Villas Boas, em 1984, foi o primeiro a pousar em Brasília – perto da Torre de TV. Já a primeira mulher a decolar asadeltada por aqui foi a carioca Maria Antonieta, a Kêka. Partiu, também, do Vale do Paranã, em 1982, mas posou em Sobradinho. A glória de ser a primeira a ver Brasília de cima a bordo de uma asa delta e pousar sobre o Plano Piloto ficou para uma outra carioca, a Renata Small (hoje, La Rocque), nove temporadas depois. Residindo nos Estados Unidos, ela relembrou, por e-mail:

“Era agosto e eu jamais havia decolado para descer na Esplanada dos Ministérios. Um dos pilotos que encontrei no céu foi o Eduardo Waller de Oliveira (Eddie da Bocaina), com quem eu já tinha voado junto. Usávamos o mesmo canal do rádio amador e já havíamos cumprido mais da metade do percurso. Quando vi a Esplanada, eu estava alta demais. Uma juíza de pouso (Claudia Otília) até cobrou, pelo rádio: ‘Quem é este mané chegando no pouso a esta altura?’ Respondi: Sou eu, irmã – incrédula, emocionadíssima! Não há como descrever a emoção de chegar à Esplanada, pilotando uma asa delta. Voei, calmamente, juntamente com os outros pilotos da equipe Sky Center- Chico Santos, Daniel Schmidt, Mario Campanella e Maurício Monteiro – até perder altura e pousar. Pouso perfeito, sem dar um passo. E não teria como. A emoção foi tanta que os meus joelhos falharam, por alguns minutos.”

 

ESTRANJAS – Renata decolou, voou e posou, e Cláudia ajudou a julgar a prova. Candanga – desde 23 de maio de 1964 -, em duas décadas de bisbilhotices aéreas, com pandorgas e parapentes, a Guimarães Ribeiro já se aventurou, também, pelos azuis da Alemanha, Itália e França. Com parapente, ela viveu as suas maiores glórias. Sendo có-piloto de André Fleury, escreveu três recordes mundiais de distância em linha reta no voo duplo – 299 km, em 2003, entre Patu-RN e Independência-CE; 314 km, em 2006, no mesmo itinerário, e 210 km, em 2013, na cearense Quixadá. Mais: individualmente, tem os recordes baiano – 207 km, em 2010, e sul-americano – 161 km, em 2014.

Então! Depois de mandar pelos ares marca antiga, no Quixadá do Ceará, a Claudinha, (para os chegados), fica devendo, agora, recordes sobre Quixeramobim e Pindamonhangaba, pois não existe pedacinho de céu que ela não arrisque e belisque.

 

Por Gustavo Mariani/ Jornal de Brasília/JB

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