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Lago Oeste - O bairro rural alimenta não apenas aos seus moradores, mas brasilienses que frequentam as feiras orgânicas

 Lago Oeste, polo de orgânicos do DF, vive insegurança habitacional

Em cerca de três anos, a família Lopes fez nascer uma agrofloresta onde era só capim

*Cristina Ávila 

Brasília é uma cidade que abriga migrantes de todo o país com muitas portas abertas para o trabalho e que oferece um céu inigualável como se estivesse sempre pronto para abraçar quem o contempla a alimentar flores, águas, plantas e animais do Cerrado – mas, essa também é uma das metrópoles que mais maltrata grande parte de seus habitantes. Pela frustração com as possibilidades de moradia. Desde sua fundação até hoje. E talvez especialmente hoje. Porque se acumulam há décadas esperanças machucadas pelas tentativas de se organizarem mutirões para atender exigências legais para o licenciamento ambiental e futura regularização fundiária, que nunca chegam. Ao mesmo tempo, se evidenciam no Distrito Federal (no passado próximo, presente e sabe-se-lá-até-quando) habitats da fauna, flora e nascentes soterrados por crimes ambientais que já são naturalizados na capital federal como uma perniciosa tradição.

 

Nesta semana do Meio Ambiente decidi escrever sobre o Núcleo Rural Lago Oeste (NRLO), situado à margem da DF-001 e que pertence à região administrativa Sobradinho II. Nos próximos dias pretendo mostrar um pouco deste bairro que, diante dificuldades históricas, representa o maior potencial da agricultura de pequeno porte, da agricultura familiar e da agricultura sem venenos. Aqui se produz café premiado na Itália, aqui há imensa oferta de hortaliças que nascem em antigos solos degradados e que passaram a ser férteis para o plantio natural de comida. Este bairro rural de Brasília abriga um sítio-escola que é uma das maiores referências em Sistemas Agroflorestais Sintrópicos do mundo, local que anualmente recebe 800 alunos em cursos de formação em cultivo de plantas medicinais e aromáticas. Aqui vivem famílias que ganham o sustento com a comercialização de alimentos há 30 anos. E todo o dia surge no Lago Oeste mais um produtor com vontade de alimentar os filhos e mudar o mundo.


O bairro rural alimenta não apenas aos seus moradores, mas brasilienses que frequentam as feiras orgânicas. Mas este não é o único serviço que o Lago Oeste presta ao Distrito Federal. Tem também a sua contribuição especialmente para a proteção dos recursos hídricos. O modo de vida rural é um meio para resguardar a unidade de conservação federal Parque Nacional de Brasília, onde se localiza a barragem que faz parte do Sistema Santa Maria (Santa Maria/Torto), responsável por cerca de 30% do abastecimento do DF e com águas comprovadamente puras porque suas nascentes e a própria lagoa são protegidas pelo Cerrado conservado. O parque foi criado em 1961 justamente com essa finalidade e é isso que garante inclusive a quantidade de água, tida pelo Governo do Distrito Federal como reserva técnica em períodos de estiagem. 

Moradores do Lago Oeste têm produtos saudáveis à disposição perto de casa

O Núcleo Rural Lago Oeste se tornou um local que atrai apreciadores do Cerrado, que vivem o meio ambiente inclusive em frequentes passeios coletivos de bicicleta. É conhecido também pelas rotas de passeios a cavalo, pois há muitos haras e muitos criadores de pequeno porte e cocheiras para hospedagem de equinos. O turismo rural já é uma realidade no bairro, que conta com algumas pousadas e muitos restaurantes que oferecem banhos em cachoeiras para quem passa o dia de lazer. Um paraíso com 1.250 chácaras, situado em cinco unidades de conservação. Além de estar na Zona de Proteção do Parque Nacional de Brasília, tambémfaz parte Zona de Amortecimento da Reserva Biológica da Contagem, da Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, da APA da Cafuringa e da Área de Proteção de Manancialdo Torto. Tudo isso pela localização em área de natureza sensível a ser cuidada.


Sem um centésimo da atenção dada ao venenoso agronegócio que exporta commodities, o Lago Oeste levanta a bandeira rural e luta por futuro mais próspero na agricultura familiar e de pequeno porte. Os chacareiros do bairro já têm histórico de conquista na recuperação vegetal das unidades que ocupam há mais de 30 anos, onde em grande parte foram fazendas de soja que deixaram solos degradados. E cresce a ideia de alianças para torná-lo referência nos cultivos que aliam a produção de alimentos e a recuperação do Cerrado no mesmo espaço.


Para publicação no jornal Brasil Popular, com ajuda da assessoria de comunicação da Emater-DF, obtive por meio da Lei de Acesso à Informação os mais recentes dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal sobre a produção local. Em 2020, as cadeias produtivas do bairro apuraram R$ 15,1 milhões na agricultura (62,29%), pecuária (30,83%) e agroindústria (6,89%), de acordo com faturamento bruto.

 

CooperPalmas: uma gleba cooperada agroambiental

 

Moro há 11 anos na rua 19 do NRLO, onde se situa a Cooperativa Agroambiental Palmas do Lago Oeste criada em outubro de 2018, para transformar uma gleba de 136,4 hectares em incentivo à produção de alimentos sem veneno e proteção ao meio ambiente. Nestes poucos mais de três anos de sua existência, já temos definida uma área 27,6 hectares de reserva legal, para a recuperação da vegetação nativa de Cerrado e para isso já recebemos inclusive um pesquisador do Centro Nacional de Avaliação da Biodiversidade e de Pesquisa e Conservação do Cerrado (CBC) do ICMBio,que ofereceu orientações sobre o manejo da área. Degradar é fácil, recuperar é muito caro e demorado. Vivemos no território que há 30 anos foi criado como “o Condomínio dos Jornalistas”, em terrenos de 3 mil m², hoje considerados cotas individuais no conjunto da cooperativa – diferentemente dos chacareiros do Lago Oeste, cujas unidades-padrão são de 2 hectares no mínimo.

Zé de Bié e Joana vendem produtos in natura e produzem molho do tomate que eles mesmos plantam

 Com exceção de uma pequena mancha que restou do bioma original, a gleba da CooperPalmas era um vasto campo invadido especialmente por capim braquiária, espécie difícil de erradicar e que compacta o solo, não favorecendo a absorção das chuvas e deixando que muita água acabe evaporando, sem abastecer aquíferos. Os pioneiros moradores da CooperPalmas, em três décadas de trabalho, junto com os que vieram depois, mudaram essa realidade, transformando suas unidades individuais em florestinhas que misturam pomares convencionais e espécies nativas. Mas ainda falta muito a se fazer. Muita braquiária a ser transformada em campo fértil.


A família Lopes é um exemplo de jovens cooperados (as) que ajudam a cumprir os objetivos de sustentabilidade da CooperPalmas (e do planeta!). Fernão e Thaís chegaram em Brasília em 2013 e descobriram a cooperativa em 2018. Ele é mestre em geografia pela USP e ela é professora de história da rede pública. Juntos, agora com os filhos gêmeos de cinco anos, em pouco tempo já criaram uma agrofloresta no terreno que tinha só grama e capim. Em pouco mais de um ano plantaram com as próprias mãos 850 pés de abacaxis, 120 mudas de café, 50 pés de banana, 30 unidades de acerola e outras cítricas, além de abacate, manga, pitanga, mamão, graviola, pinha, açaí, caju e mangostão. Ainda fizeram um mandiocal com cerca de 200 pés.


Fernão é quem carrega o pesado. Mas todos participam. Não demoraram a colher melancia, cenoura e beterraba da horta. E a chuva daquele período trouxe rapidamente jiló, abóbora, batata doce, alho porró, entre outras verduras, legumes e frutas. “Até 30% do que colocamos no prato é produzido em nosso lote”, comemorou o casal ainda recém-chegado.

Comunidade da região aposta num modo de vida em sintonia com a natureza

Fernão Lopes assumiu em março deste ano a responsabilidade pela Coordenação Agroambiental na nova diretoria da cooperativa. E foi destaque agora em maio no mutirão realizado pela CooperPalmas ao lado da portaria de entrada. Ele levou sua máquina de moer galhos de podas para demonstrar que, em uma agrofloresta, tudo pode ser aproveitado. E, assim, contribuiu com a adubação dos canteiros plantados em mutirão pelos vizinhos.


Também estava lá Zé de Bié, o agricultor que neste recente período de chuvas plantou suas lavouras de milho e acabou na capa do Correio Braziliense, em matéria para demonstrar as possibilidades que vêm do campo. A safra do cooperado tem grande variedade de produtos como tomate, pimentão, diversas espécies de feijões, gergelim, mandioca. Na CooperPalmas tem até produtor de cerveja artesanal. É o Giovanni Boscoli, que produz a “ET, Sabor do Outro Mundo”. Na Gleba tem criação de cavalos, ovelhas e muitas árvores nativas habitadas por tucanos e pica-paus. E muita gente que produz sorvetes, bolos, geleias, farinhas, com produtos da terra.


O mutirão comunitário de maio teve alegre café da manhã, em que todos se sentaram para conversar, apresentar os canteiros de manilhas pintados por cooperados e cooperadas artistas e debaterem novos projetos. E, claro, não faltou o assunto sobre a regularização do território, para melhorar os meios de plantio e a qualidade de vida coletiva.


Fonte: Cristina Ávila – Jornalista. Publicado originalmente no site Brasil Popular .

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