Após digerir as ofensas, o Pai Leandro decidiu denunciar o caso para as autoridades. “Para que mais tarde não façam isso contra outras crianças”, ressaltou
Dois meses após denúncia de racismo religioso em escola, pai de santo cobra providências: “Nada feito”
Exatos dois meses após Leandro Mota
Pereira, conhecido como Pai Leandro de Oxossi, denunciar ter sido vítima de
racismo religioso pelo diretor do Centro Educacional 3, de Sobradinho, o homem
alega que não teve respostas por parte dos órgãos públicos responsáveis pela
apuração do crime.
A unidade é uma escola cívico-militar,
também chamada de militarizada. Na tentativa de mediar um mal-entendido, o
sacerdote de Umbanda diz ter sido xingado pelo diretor do colégio, em 27 de
fevereiro deste ano.
No âmbito da Polícia Civil (PCDF), o
caso foi registrado na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por
Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa
Idosa ou com Deficiência (Decrin).
De acordo com o pai de santo, desde que
o caso foi registrado, ele não teve nenhum retorno da corporação em relação às
investigações. Além disso, dois meses após o ocorrido, o diretor denunciado por
ele continua exercendo o cargo no colégio.
“Nunca tivemos um posicionamento da
Decrin em relação ao caso. Até hoje, o policial militar que testemunhou o
racismo não foi chamado para depor a nosso favor, por exemplo. A pessoa que
comete esse tipo de crime tem sensação de impunidade. O servidor do GDF provou
que a palavra dele vale mais que a legislação”, desabafa Leandro.
Leandro acredita que, de certa forma, o
caso está sendo abafado, visto que a Secretaria de Educação (SEE-DF) também não
procurou a vítima para prestar apoio após o ocorrido.
“O episódio que ocorreu comigo foi o
primeiro após entrar em vigor, neste ano, a nova lei sobre a punição de atos de
racismo religioso. Com o novo decreto, a gente achava que os crimes iam
diminuir, mas, pelo contrário, eles têm aumentando, porque nada é feito. O
próprio diretor me disse que não daria em nada ao denunciá-lo”, alega o pai de
santo.
Ainda, segundo ele, todos os envolvidos
no caso têm sofrido com a impunidade. “O pessoal só ouve a gente se for no
grito, o pedido de por favor não adianta. A gente não julga a religião alheia,
é questão de humanidade. Parece que estão encobrindo a intolerância. Até o PM
que testemunhou tem sofrido com perseguições da direção”, lamenta.
De acordo com a chefe da Decrin, Ângela
Maria dos Santos, as investigações do caso correm dentro do prazo regular e
estão em andamento.
“O inquérito já foi instaurado, estamos
ouvindo envolvidos e produzindo relatórios. Além disso, o policial militar que
testemunhou o caso não compareceu na data em que foi intimidado para depor, no
início de março. Por isso, uma nova data deve ser marcada. A PCDF está
trabalhando dentro do caso”, esclareceu.
A reportagem tentou contato com diretor
da escola, mas ele não quis se manifestar sobre o assunto. A reportagem também
acionou a Secretaria de Educação, porém não obteve resposta até o fechamento
desta matéria. O espaço segue aberto.
Procurado, o Núcleo de Enfrentamento à
Discriminação do Ministério Público do DF (MDFT) confirmou que recebeu denúncia
no final do mês de fevereiro.
“Diante dos fatos, o NED/MPDFT
requisitou à Coordenadoria Regional de Ensino de Sobradinho o envio de
informações sobre os envolvidos e de eventuais gravações em áudio e vídeo do
incidente. O Núcleo também questionou se foi instaurado procedimento interno
para apuração do caso. O MPDFT ainda não recebeu as informações, mas cabe salientar
que o prazo dado à Coordenadoria Regional de Ensino de Sobradinho para envio
dos dados ainda não expirou”, disse o órgão, em nota.
Relembre o caso
No dia 27 de fevereiro,
uma estudante de 14 anos – adepta da religião de matriz africana – chegou à escola
utilizando um fio de conta. No entanto, uma tenente do colégio questionou o uso
do colar e colocou a mão no acessório religioso, tentando removê-lo.
A adolescente recusou e disse que
precisava falar sobre o assunto com o seu sacerdote. A tenente concordou e
chamou a família da estudante, que foi ao local acompanhada de Pai Leandro e de
uma advogada. Teve, então, início uma reunião, na sala da direção da escola. O
líder religioso pediu para a conversa ser gravada.
Pai Leandro explicou porque sua filha de
santo usava o fio de conta. Segundo ele, trata-se de um acessório da
indumentária das religiões de matriz africana, voltado à proteção individual,
conexão com o divino e identificação social. Logo após a explicação, a tenente
teria pedido desculpas à aluna.
A estudante poderia continuar
utilizando o item religioso dentro do uniforme escolar. Tudo caminhava para uma
solução pacífica, no entanto, segundo Pai Leandro, o diretor da escola teria
ficado irritado com a gravação da reunião, dizendo que não autorizou o
registro. Para o sacerdote, teria ocorrido, neste momento, uma tentativa de
intimidação.
Xingamentos De acordo com relatos de
testemunhas ao sacerdote, o educador teria disparado xingamentos, ferindo
inclusive a sua fé. “Ele falou o seguinte: ‘A aluna disse que ligaria para o
pai dela. Eu não sabia que ia ligar para a porra de um pai de santo’”,
denunciou o líder religioso.
Segundo o líder religioso, os
xingamentos foram testemunhados pelas pessoas presentes na reunião. A gravação
teria sido uma medida de defesa diante do mal-entendido inicial sobre o fio de
conta. “Eu pensava passar por isso em qualquer lugar, mas jamais dentro de uma
escola e de um diretor que deveria ensinar”, afirmou.
Após digerir as ofensas, o Pai Leandro
decidiu denunciar o caso para as autoridades. “Para que mais tarde não façam
isso contra outras crianças”, ressaltou. Segundo o religioso, apesar da reação
do diretor, a conduta de todos os policiais militares envolvidos no caso foi
perfeita, a exemplo da tenente que reconheceu o erro e pediu desculpas.
Fonte: Thalita Vasconcelos/Metrópoles.
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