CLDF - Debate sobre valorização da literatura no DF
Debate sobre PL de valorização da literatura brasiliense expõe dificuldades vividas por autores
Escritos nunca publicados guardados em gavetas; casas que fazem as vezes de bibliotecas comunitárias; livros de autores brasilienses com repercussão apenas fora do Distrito Federal: essas questões foram recorrentes nas falas dos participantes da comissão geral da Câmara Legislativa do último dia (18). O debate colocou em análise e discussão a proposta de criação do programa de valorização da escritora e do escritor brasilienses e de incentivo à difusão de suas obras literárias, matéria do projeto de lei nº 227/23.
Apresentado
pelo deputado Ricardo Vale (PT), que comandou a comissão geral, o PL cria um
cadastro de autores brasilienses a ser atualizado regularmente, de forma a
permitir o mapeamento da produção literária e a promoção de iniciativas de
divulgação das obras. O texto estabelece também que, em todas as aquisições de
obras literárias pelo Poder Público, pelo menos um décimo dos títulos deve ser
de escritora e de escritor cadastrado.
Além disso, o PL prevê ações destinadas às escolas e bibliotecas públicas para a formação de novos leitores, bem como ações específicas de divulgação das obras – a exemplo da realização de eventos – e de incentivo de novas publicações, como concursos e editais.
“A
valorização da leitura, em especial da literatura produzida em nossa capital, é
essencial neste momento de nossa história como civilização. Acredito,
sinceramente, que a leitura, a educação e a discussão literária são
imprescindíveis na formação dos verdadeiros cidadãos”, defendeu o deputado Ricardo
Vale. “A comissão geral de hoje é uma oportunidade para escritoras e escritores
apresentarem suas opiniões sobre o projeto”, afirmou o distrital ao abrir a
comissão geral.
Conforme
informou o parlamentar, a proposição é fruto de sugestão apresentada pela
Academia Gamense de Letras (AGL). “O objetivo é que o Poder Público possa, de
algum modo, incentivar a produção literária brasiliense e, assim, contribuir
para o registro de nossas vidas, hábitos e valores”, completou Vale.
“Só podemos
fortalecer nossa democracia, com firmeza, colocando nossos livros nas escolas”,
pregou o presidente da AGL, Manoel Messias Evaristo Lima. Ele ressaltou que a
proposta em tramitação na Casa tem contribuição de outras academias também, e
defendeu a união das quase 30 academias de letras do DF para fortalecer o
segmento.
Arlene Muniz
de Matos, vice-presidente da AGL, foi outra a ressaltar a importância de união
das agremiações e disse que o projeto vai beneficiar todo o DF e não apenas o
Gama. “A cultura e a literatura são para todos”, concluiu.
Marcos Linhares
O
vice-presidente do Sindicato dos Escritores do DF (Sindescritores), Marcos
Linhares, classificou o projeto de lei como “alvissareiro”, mas avaliou que a
“grande vitória” seria a regulamentação da inclusão da literatura brasiliense
nas escolas. “A Lei Orgânica do DF, que é de 1990, diz que o DF deverá incluir
literatura brasiliense no currículo das instituições públicas, mas isso nunca
foi regulamentado pelo Executivo”, criticou.
Luiz Felipe Vitelli Peixoto, professor da rede pública e membro do Conselho Nacional de Política Cultural, reforçou o pedido por regulamentação das normas que tratam da produção literária local. “As leis precisam ser regulamentadas para serem cumpridas. Queremos a literatura brasiliense no currículo, não apenas nas bibliotecas. Isso é de suma importância”, apontou. E emendou: “Que este projeto em discussão não vire mais uma lei como as anteriores, que a gente faça, de fato, acontecer”.
A diretora
da Biblioteca Nacional de Brasília, Marmenha Maria do Rosário, participou do
debate representando a Secretaria de Cultura e Economia Criativa. Ela
parabenizou as escritoras e os escritores presentes pela “luta diária para que
a literatura brasiliense seja reconhecida”.
Sobre o
projeto, a gestora o avaliou como “louvável”: “Publicar um livro não é
suficiente para fazer com que aquele conhecimento, narrativa e representação de
uma cultura chegue à população. No texto, a gente vê que, além de reconhecer o
escritor brasiliense, ele visa a garantir que o livro chegue onde tem de
chegar: nas mãos das crianças, jovens e idosos que frequentam escolas e
bibliotecas públicas”.
Marmenha
Maria do Rosário reconheceu a dificuldade de fazer com que as obras cheguem aos
leitores. “A Biblioteca Nacional orienta todas as bibliotecas públicas a
manterem estantes específicas para a produção da cidade, mas precisamos dar um
passo a mais: garantir que a literatura brasiliense chegue a todos”, disse. Ela
anunciou que, nos próximos meses, será publicado um edital extraordinário do Fundo
de Apoio à Cultura (FAC) para fortalecer a cadeia produtiva do livro no DF.
Por sua vez,
a deputada federal Erika Kokay (PT/DF), elogiou a qualidade do PL proposto por
Ricardo Vale: “Estamos falando de pertencimento, de escritoras e escritores que
vão, de alguma forma, falar da própria cidade. E vão reinventar as nossas
histórias. É um diálogo das nossas próprias vivências e saberes e aquilo que
está na publicação; a partir daí, vamos nos reinventando e nos identificando”.
Também
presente na comissão geral, o deputado Gabriel Magno (PT) destacou que o
projeto envolve um “debate fundamental, ainda mais em 2023”. “Para termos
democracia, é preciso ter mais livros do que armas”, disse. Ele lembrou que a
CLDF conta com uma Frente Parlamentar em Defesa do Livro e da Leitura e
garantiu celeridade à apreciação do PL na Comissão de Educação, Saúde e Cultura
(CESC) da Casa.
Animada com
a discussão, Hildete Moura, de 67 anos, moradora da Estrutural, afirmou: “Tenho
300 poesias escritas, e esse evento me deu ânimo para escrever mais 300”. Ela
lamentou a dificuldade para se publicar um livro e disse ter visto “a luz no
fim do túnel”.
Demandas
A comissão
geral acabou sendo um espaço para a apresentação de diversas demandas e
reivindicações.
Rosemaria
Alves dos Santos, presidente da recém-criada Academia de Letras e Belas Artes
de Sobradinho, disse ter identificado diversos “escritores de gaveta” na região
administrativa. “Tem uma integrante da Academia que tem mais de 700 poesias de
gaveta. Precisamos dar protagonismo para esses escritores. Esse projeto pode
dar condições de tirar das gavetas tantos escritos maravilhosos”, disse.
A escritora
Maria Helena Jardim, de Taguatinga, apresentou uma questão: “Todas as cidades-satélites
têm igrejas. Em algumas, há ruas com uma de frente para a outra. E por que não
têm salas de leituras e bibliotecas? Como vão ficar os nossos jovens? Alguns
não sabem diferenciar um conto, um romance ou uma poesia”. A escritora
reclamou, também, da falta de editais, concursos e outros incentivos para a
publicação de livros no DF.
Já a psicóloga e escritora Clinaura Maria de Lima lamentou que, muitas vezes, as publicações de autores locais sejam mais conhecidas e difundidas fora da cidade. Segundo ela, seu livro “Infância ferida” é mais conhecido em Portugal do que no próprio DF.
O presidente
da AGL, Manoel Messias Evaristo Lima, aproveitou o debate para cobrar a
destinação de um espaço público para as academias de letras. Essa reivindicação
foi feita, também, por vários outros participantes da comissão geral.
“A Academia
Inclusiva de Autores Brasilienses tem quase 500 membros e não tem apoio do
Estado. Funciona na sala da minha casa”, reclamou sua presidente Dinorá Couto.
“Também
passamos por maus bocados, somos nômades em Planaltina, fazemos parte do
Movimento dos Sem Teto”, disse Joésio Menezes, da Academia Planaltinense de
Letras, Artes e Ciências.
A
reivindicação de um espaço para a sede da agremiação foi feita, também, pelo
presidente da Academia Aguaslindenses de Letras, José Genivaldo de Oliveira:
“Brigamos há tempos por isso. Vários adeptos que nos ajudam, recebendo nossas
reuniões”. Ele pediu, ainda, a inclusão da literatura do Entorno no texto do
projeto em debate.
Fonte: Denise Caputo - Agência CLDF, Foto: Carlos
Gandra/Agência CLDF
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