A primeira mulher no TransCerrado e sua jornada na ciência sobre duas rodas
A primeira mulher no TransCerrado e sua jornada na ciência sobre duas rodas
A primeira mulher no TransCerrado foi a médica veterinária Verônica Foltynek ela aproveitou para ter a primeira experiência explorando a “ciência em duas rodas”, alinhando a sua paixão pela cicloviagem com uma expedição científica.
Primeira mulher a integrar o time do TransCerrado, ela conta como se preparou
para o desafio e a relação das mulheres com o pedal.
A entrevista foi divulgada na newsletter Um Grau e Meio, uma produção quinzenal
e gratuita do IPAM com análises exclusivas sobre clima e meio ambiente.
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Como começou sua trajetória no ciclismo e no
transciclismo?
Eu pedalo há oito anos, mais
ou menos. Um dia, o meu marido adquiriu todo o equipamento de bicicleta e me
disse: “esteja pronta no domingo de manhã junto com Rebas”, que é o
grupo do Márcio Bittencourt [ciclista que também fez parte do TransCerrado
2024].
A minha primeira trilha foi em Sobradinho (DF) e o lugar é maravilhoso. Tem um
visual muito bonito da cidade e o contato com a natureza, as plantas, o
Cerrado, os pássaros e muitas pessoas fazendo a mesma coisa que você. É um
esporte que você consegue visualizar o Cerrado em outro tempo. É mais rápido
que andar a pé e mais lento que um carro. Você pode parar para tirar foto, ou
para ver uma fruta, contemplar uma paisagem. Para mim, é uma velocidade
perfeita.
Você consegue entrar em
contato com locais que não entraria a pé, ou porque é muito longe ou, de carro,
vai muita gente. Então às vezes você está sozinho naquele local, com aquela
mata. É muito gostoso. A gente poder fazer parte disso e você se entende fazendo
um exercício e pedalando dentro do Cerrado. Essa associação de exercício e
natureza foi algo que me cativou de primeira. Eu falei para mim mesma: eu quero
fazer mais. Eu adorei.
Como essa experiência foi diferente das outras
que você teve de cicloviagem?
Cada cicloviagem tem um tema
diferente, mas essa foi especial porque era uma expedição com o objetivo de
coletar dados, então o ritmo foi outro. Além disso, o tema também foi bem
distinto: estávamos falando sobre a água, e isso me tocou profundamente.
Em uma das entrevistas, um senhor nos contou da vivência dele com a água, de
ver sua redução enquanto as pessoas da cidade não percebem isso. Afinal, é só
abrir a torneira e a água está lá, então, muitos esquecem de onde ela realmente
vem.
Durante o percurso, vimos como a falta de técnicas adequadas de produção,
muitas vezes realizada às margens do rio, destruía a mata ciliar, afetando todo
o ecossistema. Passamos por várias nascentes que estavam secas. Foi triste
testemunhar isso.
Normalmente, ao final das
minhas cicloviagens, eu me sinto muito feliz, mas dessa vez fiquei
profundamente triste ao ver o que estamos fazendo com o Cerrado e com o
planeta.
O que você pôde observar dos animais no
Cerrado?
Ao longo do caminho vimos
muitos animais domésticos, já que é uma área antropizada, além de várias aves
como siriemas, curicacas, araras canindé e muitos tucanos.
Durante o percurso de quatro dias não avistamos nenhum mamífero silvestre, o
que é comum, já que esses animais normalmente têm hábitos mais reservados.
E você já estava preparada para fazer essa
aventura de 200km com seus oito anos de experiência no ciclismo?
Eu já fiz algumas provas de dias seguidos. Fazer cicloviagem é uma delícia. A
quilometragem não é tão difícil, e sim o quanto que você vai subir. Então eu
posso ter trilhas de 20 km que eu não dou conta, ou trilhas de 100 km que são
fáceis.
Nesta viagem, a gente teve uma altimetria maior no primeiro dia, se eu não me
engano. Depois foi mais tranquilo. Foi uma viagem onde coletamos dados, então
tudo é desconhecido. A gente não sabia o que ia acontecer e essa parte do
desconhecido é deliciosa, não?
E como você se prepara para esse desafio de
pedalar longas distâncias?
Eu acho que essa preparação
vem com muito tempo. Eu sempre fui uma pessoa muito ativa. O Márcio
[Bittencourt] me estimulou e disse “você vai dar conta!”. Eu respondi “Meu
Deus, Márcio! A gente vai subir com o peso, né?”.
Porque se for sem peso, seria tranquilo. O problema é botar o peso com a
bicicleta. Quando a gente pedala, imaginamos que eu e a bicicleta somos um ser
só. Então, é um peso diferente ali, né? Eu fiquei preocupada com isso, mas eu
malho duas vezes por semana e pedalo de três a cinco vezes por semana.
Você tem que ter a musculatura muito boa, quer dizer, sem lesão. A sua bike tem
que estar muito bem. Todo o conjunto tem que estar legal. Você precisa estar
com o respiratório e cardio bons. Não é só você ter força e arrancar, você vai
ter que manter isso.
Como é que você enxerga a presença feminina
nesses espaços esportivos de ciclismo para longas quilometragens?
Em uma das provas, num
pedregal que eu estava quase voando, o pneu rasgou e eu estava sozinha, não
tinha ninguém. Eu falei “você dá conta, você sabe fazer”. A gente cresceu com
essa ideia de que mulher não dá conta, que a gente é o sexo frágil. Troquei e
segui mas, mesmo assim, isso te gera um gasto de energia. Não é fácil não, mas
a gente consegue.
Eu acho que a presença feminina nunca vai ser o suficiente, mas sempre tem e é
incentivada nos grupos de pedal. Todo mundo se ajuda, sabe? Eu tenho vários
grupos de mulheres. Tem aquelas que gostam de fazer pedais longos, as que
gostam de fazer downhilll… cada grupo vai verificando quais são as habilidades
de cada mulher, nos juntamos e trocamos figurinhas.
E quando as mulheres se juntam, eu digo, sem os homens, é outro tipo de pedal.
Às vezes é até um pouco provocativo com eles, dependendo das mulheres que eu
estou. Tipo “olha só, gente, elas estão melhor que vocês”. Muitos homens ficam
super incomodados quando uma mulher passa e eles ficam para trás.
Fonte: Maria Garcia/Jornalista do IPAM
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