MOBILIDADE URBANA - Os riscos e desafios para quem anda de bicicleta no Distrito Federal
Os riscos e desafios para quem anda de bicicleta no Distrito Federal
Segundo o
Detran-DF, 13 ciclistas morreram em sinistros de trânsito, de janeiro a
setembro do ano passado. Especialistas ressaltam a necessidade de maior
segurança. Semob pretende ampliar a malha cicloviária para mais de mil
quilômetros
O Distrito Federal tem a segunda maior malha cicloviária do
país, com 711km
O Distrito
Federal conta com uma significativa malha cicloviária. São 711,4km distribuídos
em 31 regiões administrativas, de acordo com a Secretaria de Transporte e
Mobilidade (Semob). Mesmo assim, percorrer grandes distâncias em bicicleta, na
capital federal, é arriscado. Dados mais recentes do Departamento de Trânsito
(Detran-DF) mostram que, de janeiro a setembro do ano passado, 13 ciclistas
morreram em sinistros de trânsito nas vias locais, ao menos uma pessoa por mês
nesse período.
E 2025 não
começou diferente. No primeiro dia do ano, o farmacêutico Tiago Gonçalves de
Oliveira, 38 anos, perdeu a vida, atropelado, enquanto pedalava no acostamento
da BR-070 (leia Memória). A reportagem ouviu especialistas e entidades ligadas ao
modal para saber quais são os desafios para quem prefere utilizar a bike no DF.
Ana Carboni, coordenadora-geral da ONG Rodas da Paz — entidade criada há 22 anos que busca conscientizar os moradores do DF sobre a necessidade de reduzir a violência no trânsito —, ressaltou que a falta de segurança viária é a principal ameaça. "A bicicleta é um veículo e ela pode e deve usar as vias, mas, aqui no DF, principalmente, há velocidades incompatíveis com a vida, fazendo com que os ciclistas tenham medo de compartilhar o trânsito com os automóveis", observou.
"Do dia
24 de dezembro de 2024 até 6 de janeiro, tivemos 11 atropelamentos. Ou seja, em
14 dias, foram 11 sinistros com cinco mortes de pedestres e ciclistas. Então, a
gente vê uma violência no trânsito muito grande, e isso precisa mudar",
destacou Ana, pontuando que não bastam campanhas educativas. "Precisamos
de medidas de fiscalização e de readequação, como a redução de velocidade nas
vias. A cidade é para as pessoas, todo mundo se desloca por ela. A gente
precisa de cidades que sejam compatíveis com as necessidades humanas e com a
vida", afirmou.
A
coordenadora-geral da Rodas da Paz disse que, mesmo contando com uma
significativa malha cicloviária, as vias brasilienses não são conectadas e não
passam por manutenção. "Particularmente, não tenho carro há mais de 10
anos e, se eu quiser sair da minha casa e ir, em bicicleta, para uma consulta
médica, tenho que utilizar uma passagem subterrânea, que é muito insegura, ou
passar por uma tesourinha, que é perigosa de uma outra forma", lamentou.
Conscientização
Miguel
Videl, 45, é ciclista e pedala cerca de 200km, semanalmente. Ele é um dos
coordenadores do grupo Pedal Seguro. Em sua opinião, além da falta de ligação
entre as ciclovias do DF — como citou Ana Carboni — a falta de respeito por
parte dos condutores de caminhões, carros, ônibus, motos e utilitários também é
um problema a ser resolvido. "Penso que seja uma questão para que os
órgãos de trânsito continuem fazendo um trabalho de conscientização e
educação", opinou.
Miguel Videl reclama da falta de educação dos
motoristas - (foto: Arquivo pessoal)
"Além
disso, o cidadão — motorista, pedestre e/ou ciclista — tem que defender o
respeito mútuo, pois no trânsito o maior sempre vai cuidar do menor. E temos de
entender que os ciclistas, às vezes, também serão motoristas e, muitas vezes,
pedestres, sendo estes últimos a parte mais fraca no trânsito", lembrou
Videl.
Trafegando
pela via Estrutural, à reportagem encontrou o prensador de materiais recicláveis
Maurício dos Santos, 50. Ele mora na Cidade Estrutural e, diariamente, percorre
boa parte da pista recém-concretada, disputando espaço com os demais veículos.
"Não é fácil, porque não existe ciclovia no caminho e o medo é
constante", lamentou. "Acho uma tremenda falta de consideração com o
ciclista", reclamou.
Segundo
Santos, além do fato de não haver uma via exclusiva para as magrelas, o
acostamento é estreito e os automóveis passam muito perto. "Fico bem
apreensivo, mas tem que encarar, não tem outro jeito. Graças a Deus, ainda não
sofri e não presenciei nenhum sinistro", disse.
Mauricio dos Santos precisa dividir espaço com os carros pela falta de
ciclovias no caminho para o trabalho
Incentivo
Secretário-executivo
do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade
para Todos, Wesley Ferro Nogueira, explicou a reportagem como outros lugares do
mundo têm tratado o tema da mobilidade urbana. Segundo ele, o assunto passa
pela necessidade de se fazer os deslocamentos, prioritariamente, por algum meio
de transporte ativo (a pé e bicicleta) ou público (metrô, ônibus ou trem).
"Para que isso ocorra, é preciso reduzir a participação do transporte
individual motorizado (carro e moto) dentro da matriz da cidade. Locais que
mudaram a mobilidade urbana, apontando a perspectiva de sustentabilidade,
fizeram essa inversão de papel", argumentou.
Só que,
segundo o especialista, aqui no DF, isso está longe de ocorrer. "No nosso
modelo, mais da metade das viagens são feitas em transportes individuais
motorizados, enquanto os modais ativos perdem espaço", lamentou. Em
relação às bicicletas, Nogueira ressaltou que é preciso torná-la um meio mais
atrativo para a população. "Não basta somente estrutura viária (nas
regiões administrativas), tem haver uma malha cicloviária conectada
(interligando o DF)", observou.
"Outro
aspecto fundamental, é a segurança. A redução da velocidade máxima nas vias é
fundamental para garantir que a bicicleta possa se apresentar como uma
alternativa eficiente e confiável para as pessoas. Ninguém se arrisca a fazer
uma viagem de bicicleta, se não tiver condições mínimas de segurança",
acrescentou.
A
coordenadora-geral da ONG Rodas da Paz, Ana Carboni, disse que é preciso mudar
a cultura de uma cidade que foi criada para o automóvel. "A gente ainda
está vivendo um passado que não existe mais, que é de avenidas largas e
velocidade, mas sabemos que essa não é a solução de mobilidade para as
cidades", considerou. "Precisamos de transporte público de qualidade,
de segurança viária e redução de velocidade nas vias", reforçou.
Educação
permanente
À reportagem, o titular da Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), Zeno
Gonçalves, disse que a relação dos ciclistas com a via é um tema que envolve
campanhas de educação do trânsito. "A Semob, enquanto responsável pela
política de mobilidade, tem cuidado especial, principalmente, com as ações que
envolvem a maneira como o transporte público se relaciona com os ciclistas,
considerando a fragilidade deles diante de um ônibus, por exemplo",
explicou. "Para isso, temos um programa permanente de educação dos
motoristas de ônibus, com a conscientização da maneira como eles devem proteger
o ciclista nas vias e como têm que se comportar", acrescentou Zeno.
Além disso,
de acordo com o secretário, foi lançado, recentemente, o programa Vai de Bike.
"Ele envolve várias ações, incluindo educação do trânsito. É uma campanha,
permanente, para incentivar a utilização dessa modalidade (de transporte), que
é muito importante, por meio das ciclovias", disse. "Dentro do
programa, vamos promover um investimento muito forte para a ampliação das
ciclovias, garantindo mais segurança, além da interligação de vários trechos de
ciclovia em praticamente todas as regiões administrativas", garantiu.
Segundo a pasta, serão construídos mais 325km de ciclovias, fazendo com o que o
DF ultrapasse os mil km de malha.
mas ainda existem regiões onde é necessário se arriscar
entre veículos maiores (foto: Ed Alves/CB/DA.Press)
Memória
25 de
novembro de 2024 —
Uma ciclista de 30 anos morreu, após ser atropelada, em Águas Claras, na altura
do Shopping DF Plaza, sentido Plano Piloto. Socorristas do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) tentaram reanimar a vítima durante 37
minutos, mas ela não resistiu aos ferimentos;
25 de
dezembro de 2024 —
Um homem morreu depois de ser atropelado na Avenida Contorno, no Setor Oeste do
Gama. A vítima estava em uma bicicleta, não resistiu aos ferimentos e morreu
ainda no local do sinistro. O motorista não se feriu e não apresentava sinais
de embriaguez;
1º de
janeiro de 2025 — O
farmacêutico Tiago Gonçalves de Oliveira, 38 anos, foi atingido por um carro,
na altura de Taguatinga Norte, enquanto pedalava no acostamento da BR-070. Ele
chegou a ser socorrido com vida, mas morreu no dia seguinte. O motorista do
carro, identificado como Andeilson de Jesus de Souza, 35, fugiu sem prestar
socorro e foi preso dias depois;
3 de janeiro de 2025 — Uma mulher de 50 anos, que andava de bicicleta, ficou ferida após ser atropelada na QE 24 do Guará 2, próximo à estação de Metrô do Guará. Ela teve ferimentos leves e queixava-se de dores nas costas e cintura.
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Fonte:
Arthur de Souza/Correio Braziliense - Fotos: Ed Alves/CB/DA.Press
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