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CAMINHO DAS ÁGUAS* - Por Joel Pires

“Folha que cai no rio, ainda que a leve o rio, muda a paisagem do rio.”


Tudo se move. O movimento é uma lei do universo. A única certeza que existe é a de que tudo muda, o tempo todo. O mundo é uma grande roda viva, nos alerta Chico Buarque. O dinamismo é sua característica essencial. Tudo se transforma. Até mesmo as águas mansas de uma lagoa estão em constante ebulição. No corpo humano, as células se renovam a todo o momento. No céu, as nuvens mudam a todo instante. Pego emprestada essa metáfora do amigo, poeta, escritor Geraldo Lima.

Fazendo parte deste universo, todos nós integramos esse processo de mutação. Vivemos um constante ciclo de instabilidade e de acomodação. Quando a poeira parece assentar-se, lá vem a boiada da mudança outra vez. E tudo o que era novo torna-se ultrapassado, caminho pisado. Outra trilha se faz necessária, pois o que era jovem, hoje é antigo; e precisamos todos rejuvenescer. Somos impelidos à mudança, não temos escolha: aceitamos o novo ou sucumbimos caducos. Não podemos ficar parados na estação. É preciso andar, sem medo, pois o sol já nasceu na estrada nova, nos convida outra canção.

Somos marcados por mudanças – ainda bem que é assim –, pequenas transformações do dia a dia ou dolorosas transições. Ainda cedo, conhecemos uma grande ruptura: a transposição do ventre, as águas maternas, para a aridez da individuação. Assim se processa a mudança inaugural, a separação que dará início à nossa solitária aventura pela humanidade. Não nos enganemos: o caminho é individual, embora o coletivo nos ajude a traçá-lo. A vida é uma irrupção, e não pedimos licença. Mal acordamos e já estamos de pé. Sofremos e empreendemos mudanças, somos pacientes e agentes de nossa história. É isso. Viver é ir sendo, crescendo, sentindo... conjugando o eterno gerúndio. Infindo.

Saudades do ventre? Não. Regredir é morrer afogado. Há tempos deixamos as águas. Rastejamos por um período, sentimos a aspereza do solo, rompemos a fronteira híbrida, úmida, reptiliana. Expandimos nossa respiração, enchemos o pulmão e caminhamos... nos distanciamos: do solo ao quase-céu. Eretos. E finalmente voamos. Voamos? As asas chegarão? Não sei, mas “prefiro ser essa metamorfose ambulante”, cantou Raul momentos antes de alçar voo.

*Continuação do texto EPPUR SI MUOVE, publicado anteriormente.

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