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FRUSTRAÇÃO

*Joel Pires

Passei as férias estudando pra um concurso. Desses que nos fazem pensar no valor que tem o nosso trabalho. É preciso muito esforço para reconhecer e manter-se consciente de que o contracheque não é a medida de nosso esforço. Muitas vezes, ele não corresponde à atividade que desempenhamos. Qual é o valor de um sorriso para um psicólogo em sua dedicação ao bem-estar emocional do outro. Qual é o valor da incisão precisa de um cirurgião numa operação delicada. Qual é o valor da descoberta, do conhecimento e do sonho alimentado na tarefa do professor. Estudei um mês para o concurso do Superior Tribunal Militar. Ao que a gente não se sujeita! Passei noites em claro. Fiz cursinho e tudo o mais. Em vão. “Perdi-me dentro de mim”. Confundi o período da prova. Não era domingo à tarde! Mas o que consola é saber que o médico passou pelo banco escolar, assim como o engenheiro. E que um dia um doutor pode salvar sua vida! Não tive férias. Agora estou cansado. Tenho consulta semana que vem com uma psiquiatra. Por enquanto, o melhor é ler Fernando Pessoa:

“Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.”

*Joel Pires é professor e colabora com o blog e Jornal de Sobradinho

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