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“TRIBO UNIVERSITÁRIA”


*Joel Pires

Quem chega à última sala do ICC sul da UnB encontra um ambiente que lembra uma comunidade indígena, com adereços e artefatos de várias etnias. Potiguara, Jeripancó, Atikum, Pataxó, Tupinikim, Tukano, Xavante são alguns dos grupos que dividem democraticamente o espaço acadêmico na Universidade de Brasília. Isso só é possível graças às políticas afirmativas de inclusão universitária. O processo seletivo é resultado do convênio firmado entre a FUNAI e a FUB. A divulgação do vestibular ocorre em território nacional, abrangendo todas as “tribos”. A UnB foi uma das pioneiras nesse processo.

Há quem diga que o acesso ao nível superior para os índios é um desrespeito à cultura deles. Entretanto, sabemos que hoje já se consolidou o processo de aculturação de povos indígenas e que é preciso garantir a essa parcela de brasileiros o direito de participar ativamente das discussões políticas e sociais. O acesso à educação é uma dessas questões. É fundamental que populações indígenas, ou de descendentes, tenham em suas comunidades médicos, enfermeiros, nutricionistas, biólogos, professores, advogados, entre outros, a fim de que, por exemplo, não sejam vítimas de doenças disseminadas pelo “homem branco”. Afinal, epidemias já dizimaram populações inteiras de índios.

Tanielson (Poran) ingressou na UnB em 2009. É estudante de Engenharia Florestal e presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas no Distrito Federal. Pertence ao grupo Potiguara, que hoje habita regiões da Paraíba e do Ceará. Espera contribuir com seu povo no âmbito de sua área de formação e, em sentido mais amplo, participar do debate social na definição de políticas que assegurem aos índios a proteção de seus direitos. “Precisamos encarar a situação e mostrar que somos capazes”, afirma o jovem potiguar.

A desnutrição é um dos problemas sérios que acometem principalmente as crianças índias. Ademir é jeripancó, grupo situado no município de Pariconha no Estado de Alagoas, e cursa Nutrição. A importância social das cotas indígenas fica clara ao se analisar a necessidades desses povos em áreas básicas de atendimento à saúde. “Espero melhorar a condição de vida da minha comunidade, contribuindo no combate às enfermidades relacionadas à carência alimentar”, enfatiza o estudante idealista.

“Tapuia” estuda Medicina e não vê a hora de voltar para sua terra. A Aldeia Tracoeira, onde morava, fica no Estado da Paraíba. Segundo essa acadêmica, os indígenas assinam um contrato se comprometendo a retornar às regiões de origem. Todavia, isso depende da continuidade do programa em uma nova etapa: a contratação desses profissionais para atender às suas comunidades. Para a futura médica, o seu retorno não está condicionado a uma exigência legal, mas a um desejo pessoal de ajudar seu povo.

Entre as dificuldades enfrentadas, moradia, alimentação e adaptação são as que geram mais ansiedade no período inicial. Há também um auxílio financeiro, nem sempre pago com pontualidade. A comida local é um dos problemas ligados ao choque cultural, ao qual se somam a mudança de clima, a distância familiar e as novas relações interpessoais. Há preconceito de alunos e de professores que adotam um posicionamento fundado em opiniões apaixonadas sobre o assunto, muitas vezes ignorando o contexto e a discussão que motivaram a implantação do convênio.

O artigo 6º da Carta Magna assegura que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Portanto, o convênio que tornou possível o acesso indígena à universidade é a aplicação da norma constitucional.

Por fim, as dificuldades existem, mas essa nova “tribo universitária” agarrou com afinco a oportunidade surgida.

Por Joel Pires - Especial para o blog & Jornal de Sobradinho/ foto google images

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