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PERIGO NA ESTRADA


*Joel Pires

O acidente aconteceu logo depois que o motorista virou a esquina. Trovejava um avião, de passagem. A surdez era tamanha, supersônica. De manhã, ao sair de casa, comeu pão da noite anterior. O café passado ali rapidamente. Esse era da hora. Engoliu já no caminho da porta. Olhou a velha tela bordada, presente da tia. Antiga imagem. Ficava num vão do corredor, incerto. Não tem nome esse lugar. Mas cabia na lembrança a memória... O desenho sorria. Agora, conferia os itens de segurança. Tudo certo, ou quase. Cuidadoso, seguia padrões e normas, manuais de instrução. Sempre atento aos prazos, validade, manutenção. Certezas vãs.

O bicho herda o instinto de preservação. Escapa-se por intuição. O risco é constante, e ‘viver é perigoso’, constatou Guimarães Rosa, o prosador do sertão. Grande. Trancou a porta e conferiu os apetrechos. Era domingo. A guerra do dia a dia findara-se. Nem precisava. O que poderia acontecer? Tanto cuidado pra quê? Por um instante sentiu paz. Mas a pressa invadiu o fim de semana. A rotina contaminou o descanso. Sentia-se impelido a sair. Sensação estranha de pertencer a um fluxo contínuo de inquietação. Momentos de calma eram lampejos na angústia incessante.

O estresse é epidêmico. Esse mal atinge todos em menor ou maior grau. Sossego é palavra condenada pelo desuso. A tarde declina o dia fatigante. E a moto na estrada. Na mudança do tempo – passagem de domínio –, o espírito inquieta-se. O desassossego, esse reflexo sombrio, ofusca a visão. A luz forte e repentina cegou-lhe subitamente. Na esquina. Nem viu que o sol se punha, ocaso da vida.

(*)Joel Pires - É professor, psicopedagogo e colaborador do Jornal de Sobradinho

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