PARCERIA PÚBLICA: PARA O NORTE E AVANTE
OAS e JC
Gontijo estudam a viabilidade da construção de duas pontes e de um túnel no
Lago Norte. O consórcio propõe uma contrapartida do governo em terrenos na área
mais valorizada pelo futuro complexo viário
Setor
Taquari: a expectativa é de que a região receba bairro residencial para 100 000
pessoas
Uma intenção
manifesta no plano urbanístico de Lucio Costa que passou quase trinta anos no
limbo foi retomada. Vista como polêmica no passado, ela agora caminha em ritmo
acelerado. Trata-se da construção de um complexo viário chamado Nova Saída
Norte, que ligará, por meio de duas pontes e um túnel, a L4 Norte ao Setor de Mansões
do Lago Norte. A intervenção criará ainda uma alternativa de passagem para quem
vem do Setor Taquari, de Sobradinho, Planaltina, Paranoá e Itapoã rumo ao
centro de Brasília, com a promessa de encurtar caminho. Embora pensada também
como uma solução para desafogar o trânsito na Ponte do Bragueto, por onde
passam 80 000 carros diariamente, a modificação divide opiniões. Há moradores
favoráveis, mas também aqueles que temem pelos transtornos de uma obra prevista
para durar quatro anos. ...
Uma negociação
ainda tratada nos bastidores promete apimentar a controvérsia sobre a
implementação da Nova Saída Norte. Como a obra será tocada por meio de uma
parceria público-privada (PPP), o governo terá de entrar com a contraprestação
no projeto. Em vez de pagar sua parte em dinheiro, avalia dar como moeda de
troca lotes do Setor Taquari, uma das regiões que mais serão valorizadas se o
complexo viário ficar pronto. A proposta é discutida com o consórcio que ganhou
o direito de estudar a viabilidade técnica, econômica e financeira da Nova
Saída Norte. Ele é formado pelas empresas OAS e JC Gontijo. O grupo vai
disputar também a licitação para tocar a obra. Ou seja, se vencer terá a
perspectiva de erguer no coração do Distrito Federal um negócio da China: um
novo bairro residencial para até 100 000 habitantes.
O
destravamento do projeto começou em 4 de dezembro do ano passado, quando o GDF
publicou o Edital de Chamada Pública 3 de 2012. O comunicado oficial abria
seleção para escolher a empresa interessada em sugerir uma solução viária para
desafogar aquela área da cidade. Apresentaram-se a Deloitte Touche Tohmatsu
Consultores Ltda, a EGL Engenharia Ltda. e a OAS/JC Gontijo. O governo
considerou que, das três candidatas, apenas o consórcio formado por essas duas
últimas empresas preenchia os requisitos. Entre as exigências estava ter
expe-riência com PPPs, o que determinou que a OAS fosse a líder da parceria.
Após a
convocação pública, tecnicamente chamada de Procedimento de Manifestação de
Interesse (PMI), em 15 de março o Poder Executivo publicou a autorização para
que as empresas vencedoras começassem a trabalhar. O prazo de elaboração do
projeto foi de noventa dias, até que, em 15 de maio, o estudo foi entregue ao
conselho gestor de PPPs do governo. Ele apresenta em detalhes onde serão feitas
as modificações viárias, sugere layout e estimativa de custos.
Segundo
informações do conselho gestor, o GDF pretende aproveitar o projeto da ponte
apresentado pelo escritório de Oscar Niemeyer, que fez o esboço em 1986, a pedido
do então governador José Aparecido de Oliveira, depois atualizado (veja
abaixo). Na época, a proposta gerou grande polêmica. Moradores do Lago Norte se
uniram e fizeram um abaixo-assinado contra as obras. Argumentavam que a
construção de outros acessos à península tornaria o local mais vulnerável à
violência. A ideia acabou engavetada. O assunto voltou a ser debatido no
governo de José Roberto Arruda, cuja gestão foi encurtada em decorrência dos
escândalos de corrupção. Mais uma vez a sugestão ficou escanteada.
Desde o ano
passado o processo engrenou e agora anda a passos ligeiros. A análise
preliminar das obras está pronta e atualmente o governo avalia o estudo
apresentado pela OAS/JC Gontijo. A estimativa é que até o fim deste semestre o
projeto esteja no ponto para ser licitado, após consulta pública. Nesse
momento, será escolhida a empresa que vai de fato tocar a obra.
No Centro
Administrativo do GDF, a maior PPP do Distrito Federal, a Odebrecht se associou
à Via Engenharia. Juntas, as empreiteiras desenvolveram o estudo prévio e
venceram a licitação para construir o novo setor, endereço da burocracia. A
expectativa da OAS e da JC Gontijo é trilhar a mesma parceria bem-sucedida.
O governo
afirma que ainda não aprovou a proposta do consórcio e por isso mantém os
detalhes sobre as intervenções em sigilo. VEJA BRASÍLIA teve acesso a trechos
do estudo elaborado pelo consórcio que informa, por exemplo, a estimativa de
custo das obras, orçadas em 2,45 bilhões de reais.
O novo
complexo seguirá orientações do Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade
do Distrito Federal (PDTU) e terá ao todo 22,3 quilômetros, divididos em sete
segmentos (veja nos mapas acima). O primeiro deles será a ligação entre a L2/L4
Norte e o Lago Paranoá, com extensão de 1 300 metros. A via terá início próximo
ao Centro Olímpico da Universidade de Brasília (UnB). A partir daí, haverá uma
ponte estaiada de 1 260 metros, que desembocará na altura da QL 8 e QL 10 do
Lago Norte.
No final
dela, estava prevista a construção de uma via que cortaria a península de uma
margem a outra. Para diminuir o desconforto de uma obra que atravessaria todo o
bairro, o que exigiria um delicado processo de desapropriações e mudança na
rotina dos moradores, o projeto atual prevê um túnel de 1 700 metros de
extensão. No final da passagem sob a península, serão construídos mais 600
metros de ponte. A via suspensa seguirá o modelo da sustentação de concreto,
sem a estrutura estaiada, muito usada na redução de custo da obra, mas que só
compensa para distâncias maiores.
Partindo do
Setor de Mansões do Lago Norte, haverá uma pista com 5 600 metros que chegará à
DF-001 e uma outra via do Setor Taquari ao Paranoá com mais 5 690 metros. Hoje,
a BR-020 é o principal acesso a Sobradinho e Planaltina e também a municípios
goianos como Formosa. A estimativa é que a nova estrutura reduza em até 15
quilômetros o percurso de quem vem dessa região para o Plano Piloto.
Quando o
primeiro croqui da Saída Norte foi desenhado, na década de 80, estavam
previstas duas pistas de cada lado da via. Mas a atualização do projeto, feita
pelo escritório do arquiteto Carlos Magalhães em parceria com Oscar Niemeyer,
aumentou a via para quatro pistas, uma delas exclusiva para o transporte
coletivo. Há também a previsão da instalação de uma ciclovia. “É uma obra que
já nascerá com sua capacidade máxima de fluxo, de tão sobrecarregado que está o
tráfego no local”, diz o secretário executivo do Comitê Gestor de PPPs do GDF,
Márcio Galvão. Ele é o porta-voz do governo sobre o novo complexo da Saída
Norte. Nos bastidores, no entanto, o projeto está nas mãos do vice-governador,
Tadeu Filippelli (PMDB), que na partilha do poder com o PT de Agnelo Queiroz
ficou à frente dos assuntos referentes a obras.
Depois do
centro administrativo, o complexo viário norte será uma das principais
intervenções na cidade construídas a partir do modelo de PPPs, que tem entre
suas regras a ampliação do prazo de pagamento do governo ao setor privado. No
caso das intervenções em estudo pelo consórcio da OAS/JC Gontijo, com a análise
da contrapartida em terrenos do Taquari, esse prazo pode não existir. O
documento a que a reportagem teve acesso revela que a proposta da troca de
glebas inclui ainda obras adicionais de urbanização “para atender ao futuro
adensamento da área em estudo para aproximadamente 100 000 pessoas”.
O governo
justifica que a possibilidade pode ser vantajosa, porque desafoga o limite
legal previsto de contraprestação para esse tipo de parceria. O máximo que o
governo pode empenhar é 5% de sua receita corrente líquida, o que equivale hoje
a cerca de 800 milhões de reais. O Centro Administrativo já consome 150 milhões
de reais desse limite. Além do projeto, outras ações no formato de PPPs estão
em análise, como a construção de um Centro de Gestão Integrada, a estação de
tratamento de resíduos sólidos urbanos e a construção de mais dois presídios,
bem como do anexo do Hospital de Base. “Todos esses projetos extrapolam o
limite máximo que temos de endividamento. Portanto, alternativas como o
pagamento em terrenos podem ser uma saída bastante interessante”, defende
Márcio Galvão, do comitê de PPPs.
Tal opinião
recebe eco do representante jurídico do consórcio OAS/JC Gontijo, o advogado
Herman Barbosa. “Foi realizada uma simulação para que esse pagamento fosse
feito em dinheiro ou em terrenos e verificou-se que a última opção ficava mais
vantajosa e barata para o DF”, diz. Essa, no entanto, é uma vantagem que
precisa ser pesada do ponto de vista do interesse público. O barato hoje,
quando o terreno ainda não foi impactado com a certeira valorização, pode sair
caro ao coletivo. Representantes da Promotoria de Justiça de Defesa do
Patrimônio Público e Social (Prodep) consideraram a proposta curiosa, embora no
atual estágio do projeto não seja possível fazer nenhuma ressalva sobre a
negociação. Os promotores, no entanto, estão de olho nos desdobramentos da PPP.
Legado de
Niemeyer
A planta
original dos anos 80, que deve orientar a obra, recebeu alterações
A passagem
suspensa tem quatro pistas, uma delas exclusiva para ônibus, e previsão de
ciclovia
Intervenções
necessárias
Confira como
deve ficar a Nova Saída Norte, uma obra hoje orçada em 2,45 bilhões de reais
Trânsito
versus segurança
Moradores do
Lago Norte acreditam que a obra melhorará o acesso até lá, mas há quem tema o
aumento da violência
Ponte do
Bragueto: movimentação de 80 000 carros por dia
Com cerca de
5 000 residências, o Lago Norte é hoje o endereço de 34 000 moradores do
Distrito Federal. De acordo com o Departamento de Estradas e Rodagens (DER),
passam diariamente pela Ponte do Bragueto, a caminho de lá, aproximadamente 80
000 carros. Para a administradora da região, Sandra Faraj, o bairro chegou ao
seu limite de mobilidade. Segundo ela, é fundamental que o governo pense em
soluções para desafogar o trânsito e melhorar o acesso ao local. “O projeto da
Nova Saída Norte trará mais benefícios do que desvantagens”, acredita Sandra,
para quem a principal crítica ao projeto deve ser equacionada a partir da
proposta de fazer um túnel. “Seria um desgaste grande se a via cortasse a
península por cima. Mas, se a solução for o túnel, boa parte do transtorno será
evitada”, confia. O prefeito comunitário do Lago Norte, Dyonélio Francisco
Morosini, conta que em 2002, época em que também atuou como representante dos
moradores, chegou a fazer uma pesquisa com eles. Na ocasião, sete em cada dez
entrevistados se mostraram favoráveis à construção da nova ligação. Morosini,
no entanto, não tinha conhecimento de que o projeto foi retomado pelo governo.
Ele defende a ideia de que haja um amplo debate sobre o assunto. “Temos de
discutir com as pessoas que serão diretamente afetadas pela proposta”, sugere.
Morosini afirma que a principal ressalva entre os que são contrários ao projeto
é que as novas vias de acesso se estendam para depois do Paranoá, o que
demonstra a recorrente preocupação com a segurança. “Temos de estar atentos a
isso, mas não é possível esquecer o problema do trânsito. Em oito anos, a Ponte
do Bragueto estará intrafegável”, considera o prefeito comunitário.
Fonte:
Revista Veja Brasília - Nº 9 - 04/08/2013
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