Os intocáveis: Golpe contra a transparência. A um passo da impunidade
A aprovação
em primeiro turno da medida contou com a votação de 13 parlamentares. Desses,
cinco têm problemas com a Justiça
Estamos a um
passo da impunidade. O eleitor agora precisa ficar atento e cobrar de quem ele
elegeu uma postura séria, imparcial e honesta. Qualquer um que vote nessas
aberrações para dificultar a investigação de um deputado deve ser questionado.
O corporativismo não deve existir dentro de uma Casa que, acima de tudo, é do
povo...
Especialistas
avaliam como "restritiva" aprovação do projeto que permite a cassação
de distritais apenas se houver condenação judicial transitada em julgado. A
Casa ainda quer tirar o poder de cidadãos denunciarem irregularidades.
Depois de
aprovarem uma nova regra que praticamente barra cassações de mandatos de
deputados enrolados, a Câmara Legislativa se prepara para votar Projeto de
Resolução que tira do cidadão comum o poder de apresentar representações por
quebra de decoro parlamentar. Pela proposta, entidades representantivas da
sociedade também ficarão impedidas de pedir a abertura de investigações contra
distritais. Dessa forma, a prerrogativa ficará restrita ao próprio meio
político.
O Projeto de
Resolução nº 82/2014, protocolado na tarde de quarta-feira, restringe a
partidos políticos com representação no Congresso Nacional ou na Câmara
Legislativa, ao corregedor da Casa ou às comissões permanentes a possibilidade
de denunciar irregularidades praticadas pelos deputados distritais.
As abertutas
de processos contra Raad Massouh (PPL), cassado no ano passado, Aylton Gomes
(PR), Benedito Domingos (PP) e Rôney Nemer (PMDB), esses últimos já condenados
em segunda instância, foram sugeridos pela população. A Constituição Federal
inclusive garante, a qualquer pessoa, a possibilidade para propor ação popular
que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio público histórico e cultural.
A intenção
de 13 deputados era aprovar essa alteração do Código de Ética e Decoro
Parlamentar ainda na tarde de quarta-feira, quando o plenário analisou a toque
de caixa o Projeto de Resolução nº 81/2014. Mas não houve tempo para analisar a
matéria em plenário, como ocorreu com o primeiro projeto, aprovado em primeiro
turno na tarde do mesmo dia. O texto provocou polêmica porque estabelece que,
para ter o mandato cassado, um deputado envolvido em caso de improbidade deve
ter sentença judicial condenatória transitada em julgado.
Assim,
qualquer processo administrativo aberto contra um integrante da Casa só pode
ter prosseguimento após o esgotamento de todas as possibilidades de recursos na
Justiça. Especialistas criticam a medida e a classificam como “restritiva”.
Votaram a
favor da proposta, em plenário, 13 deputados (leia Voto a voto). O projeto de
resolução passou por uma tramitação relâmpago. Chama a atenção o fato de que,
entre esses 17 responsáveis pela tramitação, quatro têm condenação por
improbidade e quatro respondem a ações judiciais pelo mesmo motivo.
Ainda em
plenário, foi aprovado o parecer de Eliana Pedrosa, que relatou a matéria pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pela Mesa Diretora. Um dos
defensores da proposta, Alírio Neto (PPS) destaca que esta visa a separar o que
é processo judicial do que é ação político-administrativa. “Um processo por
quebra de decoro não deve ser aberto só pelo fato de um deputado responder a um
processo judicial. Poderíamos cometer injustiças”, argumenta.
O deputado
Chico Leite (PT) questiona a constitucionalidade da iniciativa. “O parlamentar,
quando processado, é pelo fato ilícito que cometeu, não pela circunstância de
estar sendo processado em outra instância, como a judiciária. É por isso,
inclusive, que ele pode ser absolvido na Justiça e ter o mandato cassado na
Câmara Legislativa, diz.
Para o
professor aposentado de ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB)
Otaciano Nogueira, a postura dos distritais em aprovar a medida afasta a
participação popular do processo legislativo. “Decisões judiciais e políticas
não se confundem. O resultado de um ou de outro depende apenas da convicção de
quem julga. Ao propor algo como esse projeto, a Câmara se fecha em si para desconhecer
tudo aquilo que a incomoda ou desagrada. É uma democracia restritiva”, observa.
Para o
cientista político Emerson Masulo, a proposta deixa a Casa “a reboque” do
Judiciário. “Os poderes são independentes e harmônicos entre si. A Câmara não
precisa esperar o fim do processo judicial, pois a cassação não se relaciona ao
processo em si, mas à conduta atípica eventualmente cometida pelo deputado.”,
exemplifica.
Voto a voto
Confira quem
se posicionou, em primeiro turno, sobre o Projeto
de Resolução
nº 81/2014:
Alírio Neto* (PEN)
Aylton
Gomes** (PR)
Benedito
Domingos** (PP)
Celina Leão
(PDT)
Chico
Vigilante (PT)
Cristiano
Araújo* (PTB)
Dr. Michel
(PP)
Eliana
Pedrosa (PPS)
Liliane
Roriz* (PRTB)
Professor
Israel Batista (PV)
Robério
Negreiros (PMDB)
Wellington Luiz (PMDB)
Wasny de Roure (PT)
* Responde a
processo judicial
** Condenado
em segunda instância
Análise da
notícia
A um passo
da impunidade
LEONARDO
MEIRELES
É uma
punhalada nas costas do eleitor. Em tempos de ficha limpa, em que a própria
Justiça impediu a candidatura de vários políticos com histórico de condenações
e processos, a Câmara Legislativa, mais uma vez, faz de tudo para se encastelar
no poder. Os deputados apresentaram e aprovaram, em só um dia, um projeto de
resolução que dificulta a cassação do mandato dos pares que se envolverem em
quebra de decoro — ele só perderá o cargo se houver uma decisão judicial
transitada em julgado. Mais: em outro projeto, querem impedir que um cidadão
comum represente contra os distritais — dessa forma, só partidos políticos
poderiam apresentar denúncias.
Dezessete
parlamentares subscreveram a matéria. Alguns conseguiram a reeleição. E, pelo
jeito, querem continuar no cargo por tempo indeterminado, independentemente do
que pratiquem durante o mandato. É um absurdo que isso ocorra quando há um
tsunami popular que exige a transparência, o fim da corrupção e os ganhos
salariais exagerados dos parlamentares.
Não é
preciso voltar muito ao passado para lembrar a campanha feita pelo Correio —
com base em pedidos dos leitores — para que o Congresso e a Câmara acabassem
com benefícios como o 14º e o 15º salários. Assim como o tema
#vaitrabalhardeputado repercutiu nas redes sociais quando foi descoberto o
número de ausência de alguns deles. Nos últimos meses, os distritais também
evitaram cortar na própria carne ao deixarem de cassar Benedito Domingos,
Aylton Gomes e Rôney Nemer, que respondem a processos, já com condenações, em
esquemas de desvios de dinheiro público e pagamento de propina.
Estamos a um
passo da impunidade. O eleitor agora precisa ficar atento e cobrar de quem ele
elegeu uma postura séria, imparcial e honesta. Qualquer um que vote nessas
aberrações para dificultar a investigação de um deputado deve ser questionado.
O corporativismo não deve existir dentro de uma Casa que, acima de tudo, é do
povo.
Fonte:
Correio Braziliense - Por ARTHUR PAGANINI. Foto Internet - 14/11/2014 - -
12:32:17
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