COLUNA TEXTOS & TEXTOS por Geraldo Lima
SINFONIA MATINAL
Por Geraldo Lima |
O propósito,
naquela manhã de setembro, era levantar cedinho para retomar a reescritura do
meu romance O vazio está do outro lado. Levantar e não abrir espaço para
nenhuma distração, não dar ouvidos a canto algum de sereia. Ir direto ao ponto,
incisivo. E assim o fiz, convicto do mais férreo pragmatismo. Mas um gesto,
simples e displicente, pode abrir brechas para o sonho e o encanto. E assim
foi. Para ventilar o meu local de trabalho com o frescor do ar matinal, abri a
porta da sacada. No ato, junto com o vento veio a profusão de cantos de pássaros
saltitando na vegetação em frente. Uns nem sei se chamaria de canto, pios,
estrÃdulos, chamados agônicos, desprovidos de ritmo e melodia. Outros, em
contraponto, esbanjavam torneios melódicos, obra de fino acabamento artÃstico,
dessas que nos elevam o espÃrito. Fiquei plantado lá, deixando-me inundar dessa
polifonia absoluta. Havia o plano traçado com requintes de organização e labor,
mas não havia como arredar pé dali. Como trair aquele momento de pura emoção?
Como virar as costas para aquele concerto matinal e me enveredar no matagal de
frases e palavras a serem repensadas e ceifadas, fosse o caso? Melhor me deixar
vencer pela natureza. Melhor me deixar ali, indo de um canto a outro, em
completo devaneio.
(*) Geraldo Lima é escritor, dramaturgo,
roteirista e colabora com o Jornal de Sobradinho.
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