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Mais de 67 mil famílias do Distrito Federal vivem em extrema pobreza
Dados do Ministério do Desenvolvimento Social mostram que mais de 67 mil famílias da capital federal vivem em situação de extrema pobreza. Moradores de Ceilândia, Samambaia, Planaltina, Santa Maria e Taguatinga concentram a busca por auxílio do governo

(*) Otávio Augusto

Quase cega por conta do diabetes, Djanira Matias do Nascimento, 73 anos, mora com os dois netos e a filha: R$ 600 por mês para viver em um barraco na divisa entre Sobradinho 1 e 2

Hora do almoço na casa de Djanira Matias do Nascimento, 73 anos. Sobre o fogão de quatro bocas, duas panelas contrastam com outras vazias. Naquele dia, no barraco de madeira localizado na divisa entre Sobradinho 1 e 2, a única refeição foi arroz e abobrinha refogada. Ela, os dois netos e a filha sobrevivem com um benefício social de R$ 600. Todos procuram emprego. Em muitos dias do mês, as panelas ficam vazias ou com restos. O drama não é exclusividade daquela família. A história se repete um sem-número de vezes na capital do país.

A miséria e a fome ainda são desafios que o DF precisa superar. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, 67.312 famílias do DF estão em situação de extrema pobreza — quando têm renda mensal de até R$ 85 por pessoa. Já em situação de pobreza (de R$ 85,01 a R$ 170) são 34.227 famílias.

Distante 35km da casa de Djanira, no setor Santa Luzia, área mais carente da Estrutural, Ana Flávia de Souza, 29, também vive sob o risco de não ter o que comer. São R$ 670, 30 dias e 12 bocas para alimentar. Ela recorre à boa-fé dos outros para colocar comida em casa. A estudante sobrevive com a bolsa que recebe de um curso técnico. No casebre, vivem muitas crianças e idosos. São seus filhos, primos e pais. O orçamento não fecha.

Os economistas são categóricos: a crise política e financeira vitimou os mais vulneráveis. Falta emprego, acesso a políticas públicas de saúde e educação e perspectivas. O contexto faz com que sonhos e projetos sejam adiados, à espera de dias melhores. Além disso, as agruras do presente encurralam famílias inteiras. Muitas, sem opção, recorrem à assistência social do governo.

Na capital, o Programa Bolsa Família e a suplementação do DF sem Miséria amparam essas famílias. A procura por esse tipo de auxílio aumentou. A comparação entre o primeiro e segundo quadrimestres deste ano — dados mais recentes da Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos — revelam a escalada de 37%. Os novos cadastrados passaram de 5.517 para 7.590.

A tendência é evidenciada mensalmente. Para se ter ideia da procura, o número de novos inscritos subiu 54% entre julho e agosto. Saltaram de 1.350 para 2.089. Em toda a região, 77.710 pessoas recebem o auxílio médio de R$ 132,22. Ceilândia, Samambaia, Planaltina, Santa Maria e Taguatinga centralizam os cadastrados. O Correio pediu aos governos federal e local o comparativo entre 2011 — quando foi criado o Plano Brasil Sem Miséria e o DF sem Miséria — e 2017 de famílias cadastradas em programas como o Bolsa Família. Até o fechamento desta edição, nenhum órgão apresentou o comparativo.

Crise é o termo utilizado para exemplificar situações diferentes, mas com um denominador igual: desaceleração do crescimento das economias, seja governamental, pessoal ou familiar. É o termo que mais Djanira e Ana Flávia repetem. “A cada dia que passa, as coisas estão mais difíceis. Há mais gente pobre, e aqueles que já eram pobres, ficam ainda mais pobres”, conta Ana Flávia. Apesar das dificuldades, ela mantém um projeto de evangelização e ajuda 48 crianças. “Quando os mantimentos acabam, saio pedindo para quem pode nos doar”, destaca a mulher, que vive há cinco anos naquele local.

Djanira também parte para o corpo a corpo para driblar a fome. Contudo, tem de enfrentar as adversidades da idade avançada. Quase cega por conta do diabetes, ela não se locomove com segurança. “Nunca imaginei passar por isso”, conta, com a voz embargada. Ela emenda. “Tem dias que eu penso que não vai ter nada para comer e eu já não tenho mais o que fazer”, conclui.

A pobreza extrema é evidenciada na porta do barraco: piso de chão batido, fendas nas paredes e telhas remendadas. “Quando chove, tudo fica molhado. Tenho até medo de um curto-circuito. Quando tem ventania, peço a Deus para ter piedade”, detalha Djanira. Apesar das dificuldades, ela é resignada. “Os meninos (netos e filha) vão arrumar emprego e a situação vai melhorar. Pelo menos estamos comendo isso”, comemora, ao apontar as sobras do almoço.

Crise
O Banco Mundial calcula que cerca de 28,6 milhões de brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014. Mas a entidade também avalia que, em 2016, entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de pessoas voltaram a viver abaixo do nível de pobreza.

67.312
Famílias do DF que estão em situação de extrema pobreza

37%
Crescimento na procura pelo Programa Bolsa Família no DF entre o primeiro e segundo quadrimestres deste ano

77.710
Famílias que recebem o auxílio do Bolsa Família


Maior desigualdade
O Distrito Federal foi uma das primeiras cidades do Brasil a superar as metas do Objetivo 1 do Milênio — Acabar com a fome e a extrema pobreza, assumidas pelo governo federal junto às Nações Unidas, em julho de 2014. Naquele ano, o DF tinha menos de 3% da população com renda inferior a R$ 140 per capita, superando tecnicamente a extrema pobreza e a pobreza, segundo os parâmetros estabelecidos pela ONU. Contudo, a capital federal voltou a ser a unidade da Federação com a maior desigualdade de renda no país.

A população que se encaixa no perfil de pobreza e pobreza extrema representa 3,38% dos habitantes do DF — 101.539 famílias. Ao todo, a cidade tem 3 milhões de moradores. Embora em termos de renda média o DF detenha valor elevado, ao desagregar os dados por região administrativa, um novo contexto aparece, evidenciando uma grande desigualdade.

O Coeficiente de Gini, divulgado pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), mostra o desequilíbrio da renda familiar per capita na cidade. A discrepância chega a 18 vezes quando se compara o Lago Sul (a maior renda) com a Estrutural (a menor renda).

(*) Fonte: Otávio Augusto/CB

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