ARTIGO JURÍDICO / COLABORAÇÃO
A prática abusiva da
companhia aérea que cancela automaticamente o voo de volta em razão do “no
show” na ida
O consumidor, normalmente, ao se
programar para viajar de avião seja a negócios ou a lazer, compra a passagem de
ida e também a passagem de volta junto à mesma Companhia aérea.
Entretanto,
pode ocorrer algum imprevisto e a pessoa não consegue viajar no dia programado,
ou consegue ir de outra forma (carona, ônibus, etc) mas pretende voltar no dia
programado, de avião. Qual não é surpresa quando, ao chegar para viajar, é
informado que seu voo de volta foi cancelado e outra pessoa foi colocada em seu
lugar.
Tal conduta
pode ser considerada abusiva e ilegal? O STJ, no julgamento do Recurso Especial
1.595.731-RO, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018, entendeu que sim.
Sabe-se que,
o cancelamento unilateral do trecho da volta da viagem, por parte da Companhia
aérea, quando o consumidor não comparece ao trecho de ida, o chamado “no show”
é prática tarifária comumente utilizada no mercado de venda de passagens
aéreas.
Tal prática
possibilita que a companhia aérea faça nova comercialização do assento do
avião, atendendo, dessa forma, interesse essencialmente comercial, com obtenção
ainda maior de lucro, a partir da duplicidade de venda.
O que
ocorre, usualmente, é que a totalidade dos bilhetes da aeronava é vendida, mas
nem todos os passageiros comparecem para embarque. Isso pode vir a ocorrer,
dentre outros motivos, pelo chamado “no show”. Assim, como estratégia de
equacionar custos e riscos, as empresas aéreas optam por cancelar
automaticamente o voo de volta do passageiro que não embarcou na ida, podendo
assim, revender o assento para outro passageiro.
Ainda que
tal comportamento possa ser justificado do ponto de vista empresarial,
configura prática abusiva, pois afronta direitos básicos do consumidor, tais
como:
a) a vedação ao enriquecimento ilícito,
visto que quando o consumidor adquire uma viagem de ida e volta, ele compra
2(duas) passagens aéreas. Tanto é que, se ele compra 1(um) bilhete só, o valor
pago será inferior ao valor pago pelas 2(duas) passagens, demonstrando
claramente a autonomia dos trechos contratados. Dessa forma, o cancelamento
imotivado de um dos trechos, pela companhia área, significa frustração por
parte do consumidor na utilização de um serviço pelo qual ele, efetivamente,
pagou. Trata-se, portanto, de inadimplemento imotivado por parte da companhia
aérea, trazendo, ainda, um novo gasto financeiro, já que ele precisa, de alguma
forma, retornar ao seu local de origem;
b) a falta de razoabilidade nas sanções
impostas, já que, normalmente, nos contratos com as companhias aéreas, há
previsão de que caso o consumidor não compareça para o embarque( “no show”),
será cobrada uma taxa administrativa( tipo uma multa) pela quebra do contrato,
além da penalidade de perda da passagem de volta. O valor que sobrar ficará
como crédito para o consumidor remarcar a passagem ou solicitar seu reembolso,
em até 1(um) ano. Trata-se, segundo entendimento do STJ, de uma sucessão de penalidades, de forma
desarrazoada, por somente uma falta cometida pelo consumidor
c) deficiência na informação sobre os
produtos e serviços prestados, pois o Código de Defesa do Consumidor prevê que
a cláusula restritiva em um contrato de adesão deve ser redigida com destaque
ou visibilidade. Como, normalmente tal previsão não respeita o terminado pelo
CDC, há infringência ao Princípio da Transparência, resultando, como
consequência, na sua nulidade, com base no artigo 51, IV do CDC.
Dessa forma,
caso haja tal conduta, por parte da Companhia aérea, pode ensejar a sua
responsabilização civil consistente no dever de reparar os danos causados ao
consumidor, dentre eles no valor despendido para aquisição da passagem aérea (
trecho de volta não usufruído), bem como prejuízos decorrentes do cancelamento
da viagem e compra de nova passagem aérea.
(*) Fonte: Dra. Adélia
Pereira da Silva Neta (foto), advogada, especialista em Direito Público,
orientadora em Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) e sócia do escritório NCFerraz
Advocacia Especializada – Sobradinho/DF. Colaboração para veiculação no blog
Jornal de Sobradinho
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